quarta-feira, 2 de abril de 2008

Lutando contra a vivissecção: duas linhas de argumentos.

Lutando contra a vivissecção: duas linhas de argumentos.

Existem duas linhas de argumentação contra o uso de animais em atividades de produção de conhecimento – a chamada vivissecção.
A primeira leva em conta



o fato de que vivemos numa sociedade onde ainda é comum a noção de que é correto usar animais para atender aos fins humanos, ao menos quando estes fins são considerados realmente importantes. Ora, de todas as atividades que fazem uso de animais, é evidente que 99% não atendem a nenhum interesse vital do ser humano, e apenas resta alguma dúvida num único caso – que é, precisamente, a vivissecção. Se, como os adeptos dessa prática afirmam, o uso de animais é indispensável para se fabricar novos medicamentos, então é previsível que muita gente irá preferir mantê-lo. Dentro desta lógica, o caminho mais eficaz para se combater a vivissecção é demonstrar que o uso de animais, longe de proporcionar avanços na medicina, é antes uma metodologia falha, devido às diferenças entre os organismos.

Jane Goodall, uma respeitada cientista que ao longo de décadas pesquisou primatas em seu ambiente natural, escreveu no prefácio de um livro antivivsseccionista:

"É por isto que aqueles que combatem pelos direitos animais, usando argumentos éticos e filosóficos, embora tenham feito progressos em mudar atitudes em relação aos animais, nunca podem esperar pôr um fim em toda a experimentação animal apenas usando estes argumentos.

Entretanto, e se pudéssemos demonstrar que o uso de animais, em muitas instâncias, proporciona resultados enganadores? Com que freqüência drogas que têm o potencial de curar humanos são ignoradas porque causam danos aos animais? Por outro lado, com que freqüência drogas que não prejudicam animais são usadas em humanos com resultados desastrosos?" (1)

A segunda linha de argumentação, embora não ignore a cultura predominante, insiste que defender os direitos animais ainda é o melhor argumento para enfrentar a violência contra eles – e isto se aplica à vivissecção também. A defesa dos direitos animais implica afirmar que, independentemente de vantagens para o ser humano, a exploração animal é um ato de covardia, porque impõe a força da sociedade sobre os animais, com a única justificativa de que estes seriam inferiores de alguma maneira... Para Tom Regan, um dos principais filósofos dos direitos animais, é válido argumentar que a experimentação animal é cientificamente equivocada, seja porque é uma metodologia falha, seja porque a maioria dos experimentos são absurdos evidentes até aos olhos de um leigo. Entretanto, ele afirma que este argumento, se usado sozinho, pode acarretar um sério problema:
"O ponto a ser notado é que ambos os desafios convidam à continuação dos experimentos em animais, o último porque apenas pode excluir as pesquisas que se sabe serem uma perda de tempo antes mesmo de começarem, e o primeiro porque dá aos pesquisadores um pretexto para continuar os experimentos, na esperança de que possam superar as deficiências na presente metodologia.. Se vamos desafiar seriamente o uso de animais em pesquisas, devemos desafiar a prática em si mesma, e não apenas casos individuais ou meramente os erros em seu método.

A teoria de direitos encara este desafio. O uso rotineiro de animais em pesquisa assume que seu valor é redutível à sua potencial utilidade para os interesses de outrem. A teoria de direitos rejeita esta visão dos animais e de seu valor, assim como nega que sejam justas as instituições que os tratam como recursos renováveis. Eles, assim como nós, têm um valor próprio, que é logicamente independente de sua utilidade para outros, e de serem objetos do interesse de outros indivíduos." (2)

A respeito desses comentários, o que temos a dizer é o seguinte. A Dra. Jane Goodall está correta em enfatizar a importância de esclarecer a sociedade sobre as falhas na metodologia da vivissecção, afinal trata-se de um problema que diz respeito diretamente à saúde do ser humano, e nesse caso a informação é indispensável para que se possa corrigi-lo.

Todavia, embora realmente existam barreiras contra a divulgação da mensagem dos direitos animais, isto nunca devia ser motivo para a deixarmos em segundo plano. O comentário de Tom Regan é correto na medida em que, enquanto nos limitamos a discutir se a vivissecção é útil para nós, esquecemos que o problema central dessa prática tem a ver com sua injustiça. Nas relações entre humanos, a vulnerabilidade de certos indivíduos é aceita como motivo para receberem proteção e não ficarem entregues à própria sorte. Nas relações entre humanos e animais, a vulnerabilidade destes últimos é entendida como "sinal verde" para serem agredidos de todas as formas, carecendo de qualquer proteção que realmente mereça esse nome. A mensagem dos direitos animais, embora inclua as reflexões sobre a desnecessidade do uso de animais, tem como principal objetivo contestar o paradigma em que são vistos como recursos, e elaborar um conceito de justiça verdadeiramente universal, capaz de incluir todos os seres que têm interesses e são capazes de experimentar o sofrimento.

É claro, é bom saber que podemos abrir mão de atividades comuns de exploração de animais sem precisarmos fazer sacrifícios realmente importantes. E se isto se aplica ao uso de animais em pesquisas, tanto melhor.

Mas a justiça pode exigir muito mais do que nossa eterna ânsia de garantias de que sairemos ganhando em toda e qualquer situação. E se exige mais, então este é um desafio que apresenta para cada um de nós – e nunca estará resolvido de fato, enquanto não decidirmos enfrentá-lo.

Referências:
(1) Ray & Jean Greek. Sacred cows and golden geese: the human cost of experiments on animals [Vacas sagradas e gansas dos ovos de ouro: o custo humano dos experimentos em animais] New York: Continuum International Publishing Group, 2003. Pág. 10.
(2) Tom Regan. The case for animal rights [A defesa dos direitos animais] Califórnia: University of California Press, 2004. Pág. 384.

Gratos pela atenção,

CPDA – Comitê para Pesquisa, Divulgação e Defesa dos Direitos Animais

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