sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Partido Pelos Animais prestes a nascer

NOVA FORÇA POLÍTICA


Chama-se Partido Pelos Animais e pretende combater o abandono, procriação sem regras, canis de abate e a violência. Depois de anos de luta, um grupo de cidadãos avançou com a criação de uma força política que defenda os animais na Assembleia da República. Paulo Borges, membro da Comissão Coordenadora do Partido, expôs o projecto ao Ciberjunta.

Georgina Silva

Como e quando surgiu a ideia de formar um Partido que defenda o interesse dos animais em Portugal?
A ideia surgiu da constatação de que a defesa dos direitos dos animais tem de passar por uma intervenção jurídica e política que terá mais força e visibilidade se for levada a cabo por um Partido com representação na Assembleia da República e que dê voz às aspirações das associações animalistas e ambientalistas. Surgiu da constatação de que vivemos num dos países mais atrasados da Europa, no que respeita ao reconhecimento dos direitos dos animais e de que nenhuma força política existente tem feito alguma coisa pelos seres sencientes mais desprotegidos do planeta.
Após vários meses de amadurecimento da ideia, decidimos avançar em Maio deste ano. A proposta de proibição de animais selvagens nos circos havia sido recentemente chumbada na Assembleia da República e, também por essa razão, sentimos que este projecto era necessário e urgente, pelo que não fazia sentido adiá-lo.

De que forma vão defender os interesses dos animais, perante tantas adversidades que os esperam?
É fundamental trabalhar no sentido de uma transformação profunda da mentalidade e da sociedade portuguesa, no que respeita ao modo como vê e trata os animais não-humanos. Primeiro é preciso consagrar na Constituição da República Portuguesa o direito dos animais à vida e ao bem-estar. A partir daí, terá de se alterar o Código Penal, que actualmente os considera como meros objectos, o que resultará na criminalização dos maus-tratos, abandonos, entre outros, que hoje são considerados meras contra-ordenações, raramente punidas. E daí virão todas as consequências, a nível social, económico e político, tornando-se possível introduzir progressivamente melhorias no modo como os animais são tratados, até à desejável abolição de todo o seu sofrimento. Há muito a mudar para acabar com os autênticos campos de concentração para animais da pecuária intensiva, bem como o modo como são transportados, a desnecessária experimentação científica de que são vítimas, as condições miseráveis em que se encontram em muitos canis municipais. Há que considerar crime maltratar animais e abandonar os animais de companhia. Há que reduzir e suprimir o uso das peles no vestuário. Há que reduzir as taxas que incidem sobre os produtos de origem vegetal e biológica e promover a divulgação de alternativas alimentares vegan-vegetarianas. As consultas e os medicamentos veterinários devem ser comparticipados e dedutíveis no IRS.

Quem são os fundadores deste projecto?
O projecto de criação do PPA foi impulsionado por quatro pessoas, que constituem a sua Comissão Coordenadora e que se conheceram no âmbito de iniciativas em prol da defesa dos animais. António Santos, actual presidente da Associação Desenvolvimento Natura, fez uma petição contra o uso de peles pela estilista Fátima Lopes nas suas criações. Pedro Oliveira fez uma petição contra o massacre dos golfinhos no Japão, que já juntou cerca de 1,3 milhões de assinaturas. Eu lancei uma petição não directamente relacionada com os animais, mas contra a opressão que sofrem os tibetanos, por altura dos Jogos Olímpicos do ano passado. Fernando Leite foi também dos corpos sociais da ADNatura. Conhecemo-nos por apoiarmos as petições uns dos outros e acabámos por verificar que talvez fosse importante, em termos de estratégia, criar um partido político que fosse a voz de todos os que (particulares e associações) defendem os direitos dos animais e a protecção do ambiente.

Qual é o ponto da situação actualmente, no processo de criação do partido?
Os passos que têm sido dados até ao momento prendem-se essencialmente com os requisitos necessários para a formalização do Partido Pelos Animais junto do Tribunal Constitucional. A recolha de assinaturas é a face mais visível do nosso trabalho, mas temo-nos dedicado também à delineação do nosso programa político e à redacção dos estatutos do PPA. Neste momento já ultrapassámos a barreira das 5000 assinaturas recolhidas.

Quais são os próximos passos?
Para já, tudo passa por conseguir a formalização da candidatura junto do Tribunal Constitucional. Ultrapassada essa fase, terá início a vida do PPA enquanto partido político, e é nosso objectivo sermos uma força activa de intervenção, informação, sensibilização, consciencialização e mobilização dos portugueses na temática animal e não só. A primeira grande batalha é a alteração da legislação fundamental que assegure o fundamento jurídico de uma mudança estrutural no que toca aos animais no nosso país.

Como é que os portugueses estão a reagir à ideia?
Este projecto tem suscitado um grande entusiasmo. Temos centenas de voluntários a recolher assinaturas por todo o país, continente e ilhas, e muitos cidadãos empenhados de forma espontânea e desinteressada na divulgação do PPA. Muitas pessoas têm-nos dito que finalmente encontraram um partido em quem votar.

Há figuras públicas a apoiar o projecto... É um incentivo ao vosso trabalho e uma forma de sensibilizar os portugueses?
Exactamente. O apoio de figuras públicas é muito importante pela visibilidade que atrai às causas às quais se associam e a causa animal não é excepção.

Qual é o panorama nacional dos animais em Portugal?
Bastante negro. O funcionamento dos canis municipais, salvo raras excepções, não é satisfatório, sendo frequente a eutanásia de animais saudáveis, o uso de animais em formas de entretenimento cruel continua a envergonhar-nos perante o mundo desenvolvido, a pecuária intensiva continua a sacrificar milhões de animais, o ambiente e a saúde das pessoas, animais em vias de extinção, nomeadamente peixes, continuam a ser vendidos nos supermercados, entre tantos outros exemplos de desrespeito pela dignidade dos animais em Portugal. É fácil apontar as principais causas desse estado de coisas: legislação desajustada, fiscalização deficiente e educação conformista, que não estimula ao pensamento crítico. Nunca é demais sublinhar a urgência de uma alteração do regime jurídico dos animais em Portugal, desde que acompanhada de uma genuína preocupação das autoridades em fazer cumprir a lei nessa área, o que não se verifica nesta altura. Essencial é também a educação, a consciencialização. É preciso transformar a mentalidade actual no nosso país, educar adultos e crianças, no sentido de um efectivo respeito pelos animais e pela natureza.

Animais não são apenas os domésticos, o cão e o gato, e existem outros que talvez não sejam tão defendidos. Exemplo, o porco, a vaca, os próprios peixes... Que ideias para estes casos e como vão contrariar tradições como as matanças do porco, por exemplo?
O PPA dedicar-se-á, obviamente, à defesa de todos os animais, não apenas os domésticos. A luta contra as condições em que vivem e morrem os animais destinados ao consumo humano será também uma das nossas bandeiras, bem como a luta pelo fim do entretenimento com animais, do uso de peles e de todas as formas de sofrimento animal desnecessário. A tradição terá que deixar de ser vista como uma desculpa para se praticar o impraticável, pois é precisamente pela transformação e pelo abandono de tradições retrógradas que a sociedade evolui.

Têm notado uma evolução, na forma como se tratam os animais em Portugal?
Não dispomos de números que suportem esta ideia, mas cremos que sim. Embora de forma lenta, são cada vez mais os portugueses que tomam consciência de que a forma como os animais em geral são tratados no nosso país não é aceitável e assumem a sua motivação para lutar contra essa situação. Mas ainda é muito pouco. Temos que unir-nos e continuar a lutar.

Vão defender as esterilizações?
Consideramos que a esterilização é a única forma eticamente correcta de controlar a população de animais domésticos em Portugal, que neste momento é excessiva. É urgente um programa de controlo das populações animais sério e rigoroso, baseado na esterilização e na promoção da adopção responsável, para que possamos encerrar o triste capítulo da eutanásia de animais saudáveis, método privilegiado pela actual legislação mas que consideramos inaceitável.

Que outras ideias têm em prol dos animais?
Estamos neste momento a redigir o nosso programa político, e são muitas e inovadoras as propostas que dele farão parte. Contamos com o apoio de dezenas de associações de cariz animal e ambiental, que nos têm enviado a sua preciosa contribuição, resultante de anos e anos de experiência. A dedução das despesas com os animais de estimação no IRS, a remodelação do funcionamento dos canis municipais e o apoio à agro-pecuária extensiva são alguns exemplos das nossas ideias. Outro ainda é a promoção de alternativas ao consumo excessivo de carne praticado pela maioria da população portuguesa, que, para além do sofrimento animal, acarreta ainda sérios malefícios para a saúde e contribui de forma muito significativa para as alterações climáticas e a degradação do meio ambiente.

Acreditam que só criando um Partido os animais deixarão de ser tratados como objectos?
Tendo em conta o contexto actual no nosso país, sim. Existem em Portugal dezenas de associações e centenas de indivíduos em nome particular que dedicam tempo, dinheiro e muito esforço à causa animal, mas essa dedicação, extremamente meritória, é como tentar tapar um buraco sem fundo enquanto não houver transformações de fundo nessa temática, a principal delas ao nível da legislação. Enquanto os animais forem coisas e maltratá-los não for crime, enquanto os centros de recolha municipais forem campos de concentração, enquanto não houver uma aposta séria na esterilização, enquanto os produtos de origem vegetal e biológica forem muito mais caros que os produtos de origem animal, enquanto o entretenimento com animais não for proibido, nada mudará. É fundamental operar determinadas transformações de cariz político, e para isso é preciso fazer chegar a questão animal à esfera política, recusando a habitual desculpa das "outras prioridades".

Há alguma região do País onde se tratem pior os animais?
Não dispomos de dados para responder a essa questão.

São vegetarianos? Poderão ser confrontados com o facto de a vossa dieta integrar carne...
Essa é uma questão particularmente delicada. De facto, a maioria das pessoas que se encontra ligada ao Partido Pelos Animais neste momento é vegetariana ou vegan, mas no PPA são bem-vindos todos aqueles que pretendam trabalhar em defesa dos animais e em prol de um mundo de harmonia e respeito entre os animais humanos e não-humanos e a natureza, independentemente dos seus hábitos alimentares. O consumo de carne está fortemente enraizado na nossa sociedade, e muitas pessoas que reconhecidamente gostam de animais e defendem os seus direitos não se sentem preparadas para abandonar este hábito cultural. Não achamos que excluir essas pessoas do nosso projecto seja positivo para o mesmo, para elas nem para os animais. Concentrar-nos-emos nos nossos ideais comuns e não nas divergências será a melhor forma de levar este projecto a bom porto e de fortalecer o movimento de defesa dos animais em Portugal. O que, pela vertente educacional e de consciencialização que pretendemos que o Partido venha a ter, acaba por ser também a melhor forma de promover o próprio vegetarianismo.

Para quando o fim dos animais abandonados em Portugal?
Se houver vontade política, poderá ser para breve. Como já foi referido, a esterilização e a adopção responsável são as chaves desta questão. Acreditamos firmemente que um programa bem delineado baseado nestas componentes poderá ser bem-sucedido a médio-prazo. O importante é querer.


http://www.ciberjunta.com/partido_pelos_animais0201009.html
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