terça-feira, 17 de abril de 2012

Projeto-de-Lei 3676/2012 - Institui o Estatuto dos Animais.


Tramitação na Câmara Federal
12/04/2012

PLENÁRIO (PLEN )
Apresentação do Projeto de Lei n. 3676/2012, pelo Deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), que: "Institui o Estatuto dos Animais". Inteiro teor
12/04/2012
COORDENAÇÃO DE COMISSÕES PERMANENTES (CCP )
Publicação inicial no DCD do dia 13/04/2012



PROJETO DE LEI No , DE 2012
(Do Sr. ELISEU PADILHA)
Institui o Estatuto dos Animais.
O Congresso Nacional decreta:
TÍTULO I
Disposições Preliminares
Art. 1º. Esta lei institui o Estatuto dos Animais, destinado a garantir a vida e o combate aos maus-tratos e as demais formas de violência contra animais.
Parágrafo único. São considerados animais todo ser vivo irracional, dotado de sensibilidade e movimento.
Art. 2º. Os animais são seres sencientes, sujeitos de direitos naturais e nascem iguais perante a vida.
Art. 3º. É dever do Estado e da sociedade o combate aos maus-tratos.
Art. 4º. O valor de cada ser deve ser reconhecido pelo Estado como reflexo da ética, do respeito e da moral universal, da responsabilidade, do comprometimento e da valorização da dignidade e diversidade da vida, contribuindo para livra-los de ações violentas e cruéis.
TÍTULO II
CAPÍTULO I
Dos direitos fundamentais
Art. 5º. Todo animal têm o direito de ter a sua existência respeitada.
Art. 6º. Todo animal deve receber tratamento digno e essencial à sadia qualidade de vida.
Art.7º. Todo animal tem direito a um abrigo capaz de protegê-lo da chuva, do frio e do sol.
Art. 8º. Todo animal têm direito a receber cuidados veterinários em caso de doença ou ferimento.
Art. 9º. Todo o animal de trabalho tem direito a um limite razoável de tempo e intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso.
Art. 10. A posse responsável implica em respeitar as necessidades essenciais para a sobrevivência digna do animal.
Seção I
Dos animais domésticos.
Art.11. São considerados domésticos os animais de companhia que vivem habitualmente com o dono e dependem dos mesmos para alimentação e abrigo.
Art. 12. Os donos de animais domésticos são responsáveis por assegurar a sua dignidade física.
Seção II
Dos Animais de Carga
Art. 13. A tração animal de veículos ou instrumentos agrícolas e industriais é permitida somente se efetuada por espécies bovinas, eqüinas ou muares, respeitadas as condições físicas dos animais.
Art. 14. É vedado:
I – atrelar animais de diferentes espécies no mesmo veículo;
II – utilizar animal cego, enfermo, extenuado ou desferrado em serviço, bem como castigá-lo;
III – fazer viajar animal a pé por mais de 10 (dez) quilômetros sem lhe dar descanso;
IV – fazer o animal trabalhar por mais de 6 (seis) horas seguidas sem lhe dar água e alimento.
Seção III
Dos Animais Silvestres
Art. 15. São considerados animais silvestres (ou selvagens) todos os animais que nascem livres e vivem num ecossistema natural - como florestas, rios e oceanos e não dependem dos homens para se alimentar.
CAPÍTULO II
Do Transporte de Animais
Art. 16. Todo o veículo de transporte de animais deve estar em condições de oferecer proteção e conforto adequado.
Art. 17. É vedado:
I – transportar animal por via terrestre por mais de 6 (seis) horas seguidas sem lhe dar água e comida;
II – transportar animal por via terrestre por mais de 12 (doze) horas seguidas sem lhe dar o devido descanso;
III – transportar animal sem a documentação exigida por lei;
IV – transportar animal fraco, doente, ferido ou em adiantado estado de gestação, exceto para atendimento de urgência.
TÍTULO III
Do Poder Público
Art. 18. O Poder Público federal, estadual e municipal deverá promover políticas públicas de conscientização da posse responsável do animal enfatizando a importância da adoção como um ato de cidadania.
Art. 19. O Poder Público estadual e municipal promoverá um trabalho de educação ambiental nas escolas públicas de educação básica visando o respeito à vida e o combate aos maus-tratos.
Art. 20. As autoridades federais, estaduais e municipais prestarão aos membros das sociedades protetoras dos animais, a cooperação necessária para fazer cumprir a lei.
TÍTULO IV
CAPÍTULO I
Do Controle de Zoonoses
Art. 21. O Poder Público municipal instituirá a esterilização gratuita de caninos, felinos e eqüinos como método oficial de controle populacional e de zoonoses.
Parágrafo único. Para o cumprimento do disposto no caput, o Poder público municipal poderá firmar convênios com entidades protetoras dos animais, que atuam a mais de 3 (três) anos no controle populacional e de zoonoses.
Art. 22. O controle populacional e de zoonoses será exercido mediante a prática da esterilização cirúrgica, promovida e coordenada pelo Poder Público municipal, de forma inteiramente gratuita e acessível a todo munícipe, independentemente de comprovação de renda.
§ 1º Fica expressamente proibida à cobrança de qualquer taxa que incida sobre o serviço de esterilização prestado.
§ 2º Fica expressamente proibido o extermínio de animais urbanos excedentes ou abandonados como controle populacional ou de zoonoses.
Art. 23. As cirurgias de esterilização serão realizadas nos estabelecimentos municipais que já tenham as instalações e equipamentos necessários a esta finalidade, bem como naqueles que futuramente forem adequados para tal finalidade.
Art. 24. Fica o Poder Executivo municipal autorizado a abrir créditos orçamentários suplementares para:
I - ampliar as instalações já existentes para esterilização cirúrgica;
II - criar campanhas adicionais de esterilização, podendo para tal contratar profissionais para, no tempo de cada campanha, atuar em sua preparação, implantação, execução e avaliação;
III - estabelecer convênios com instituições apropriadas e capacitadas para a realização dos programas de esterilização gratuita.
Art. 25. Os procedimentos cirúrgicos de esterilização deverão obedecer às seguintes condições:
I - realização das cirurgias por equipe composta de médicos veterinários, aprovada pelo Município como apta para tal;
II - utilização de procedimento anestésico adequado às espécies, através de anestesia geral, podendo ser ela inalatória ou injetável.
Parágrafo único. Fica expressamente proibida a realização do ato cirúrgico antes de ser atingido, pelo animal, estágio de absoluta insensibilidade a qualquer tipo de estímulo doloroso.
Art. 26. Os procedimentos administrativos e funcionais a serem adotados para a operacionalização da esterilização gratuita serão de responsabilidade do Poder Executivo
CAPÍTULO II
Dos Centros de Controle de Zoonoses
Art. 27. Os Centros de Controle de Zoonoses têm finalidade preventiva, devendo atuar:
I - através de campanhas educativas, alertando para a procriação descontrolada de animais, desestimulando a comercialização de filhotes e incentivando a adoção de animais abandonados.
II – voltados para o bem estar animal;
III – em conformidade com as diretrizes das instalações estabelecidas pelo Ministério da Saúde;
IV – através de um quadro funcional de nível superior cuja maioria seja de médicos-veterinários e com gerência ou direção ocupada por médico-veterinário.
Art. 28. Os Centros de Controle de Zoonoses devem instituir um Conselho Consultivo, em caráter permanente, presidido por médico-veterinário, composto, quando possível, por um representante dos seguintes segmentos: comunidade, Conselho Regional de Medicina Veterinária, Conselho Regional de Medicina, Conselho Regional de Biologia, Corpo de Bombeiros, Secretarias de Saúde, da Agricultura e Meio Ambiente e respectivos Ministérios.
Art. 29. Todos os Centros de Controle de Zoonoses deverão instituir métodos e procedimentos técnicos mais humanitários e dignos para os animais.
Art. 30. Quando a morte de um animal for necessária por motivos de saúde pública, esta deve ser instantânea, indolor e não geradora de angústia.
Art. 31. Os Centros de Controle de Zoonoses devem seguir a legislação federal RDC 33 – ANVISA, a qual determina a forma de coleta, transporte e descarte de resíduos biológicos, sepultamento ou incineração de carcaças, partes de, ou cadáveres animais.
TÍTULO V
DO COMBATE AOS MAUS-TRATOS
CAPÍTULO I
Dos maus-tratos
Art. 32. Entende-se por maus tratos contra animais:
I – o abandono;
II - o espancamento;
III – o uso indevido ou excessivo de força;
IV – mutilar órgãos ou membros;
V – machucar ou causar lesões;
VI – golpear involuntariamente;
VII - açoitar ou castigar;
VIII – envenenar;
IX - deixar o animal sem água e/ou comida por mais de dia;
X – deixar o animal preso em espaço que lhes obstem a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;
XI – deixar o animal em local insalubre ou perigoso;
XII - obrigar animais a trabalhos excessivos;
XIII – privar de assistência veterinária o cão doente, ferido, atropelado, impossibilitado de andar e/ou comer;
XIV – sujeitar o animal a confinamento e isolamento contínuos;
XV - o deixar o animal preso, sem condições de se proteger do sol e da chuva;
XVI – obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços;
XVII – expor, nos locais de venda, por mais de 12 horas, animais, sem a devida limpeza, privando os de alimento e água.
§ 1º As condutas expressas que caracterizam os maus-tratos, não excluem outras decorrentes da ação ou omissão, dolosa ou culposa, despiedosa, nociva, prejudicial, que exponha a perigo ou cause dano à saúde ou ao bem-estar físico e psíquico do animal, ou que implique, de qualquer modo, no seu molestamento.
Art. 33. Fica proibido manter animais em abrigos e canis particulares sem estrutura que ocasione a aglomeração de animais em espaço limitado, bem como a falta e alimentação adequada e a precariedade da higiene.
CAPÍTULO II
Das penas
Art. 34. Os atos de maus tratos praticados contra os animais implicam na responsabilidade civil e criminal do infrator.
Art. 35. Constitui crime:
II - Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
§ 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.
§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:
I - contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração;
II - em período proibido à caça;
III - durante a noite;
IV - com abuso de licença;
V - em unidade de conservação;
VI - com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa.
§ 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça profissional.
§ 6º As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca
Art. 36. Praticar atos de maus-tratos definidos no art. 32 desta lei.
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
§ 1º A pena é aumentada em dobro se o crime foi praticado pelo dono.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º No caso do inciso I do art. 32 a pena aumenta de 1/3 a 2/3 se o animal for abandonado doente ou ferido.
§ 3º A pena é aumentada pela metade, se qualquer uma das hipóteses previstas ocorrer à morte do animal.
§ 4º A reincidência implica no cumprimento em dobro da pena base.
Art. 37. Não incidirão os tipos penais previstos no Cap. II do Título V os casos em que o autor venha a abater o animal, exclusivamente, para sua subsistência e de sua família.
Art. 38. Os crimes previstos no art. 6º são de ação penal pública incondicionada.
Art. 39. Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público e pelos membros das sociedades protetoras de animais.
Art. 40. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício;
II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento das sociedades protetoras.
§ 1o O requerimento a que se refere o no II conterá sempre que possível:
a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;
b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;
c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.
§ 2o Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.
§ 3o Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de crime de maus-tratos poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.
Art. 41. O Ministério Público é parte legítima para promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos animais.
TÍTULO VI
Disposições finais
Art. 42. Para fins desta lei, revogam-se os arts. 29 e 32 da Lei 9605/98 e o Decreto-Lei nº 3688/41.
Art. 43. Revogam-se as disposições em contrário
Art.44. Esta lei entre em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação.
Brasília, 01 de abril de 2012.
JUSTIFICATIVA
Antes de mais nada, proponho refletirmos as palavras do líder espiritual Dalai Lama.
“A vida é tão preciosa para uma criatura muda quanto é para o homem. Assim como ele busca a felicidade e teme a dor, assim como ele quer viver e não morrer, todas as outras criaturas anseiam o mesmo” (Dalai Lama)
O Projeto que ora apresento não se trata de um anseio aleatório dos protetores sonhadores, nem tampouco traduz um conflito entre humanos e animais. Trata-se apenas de um reflexo dos anseios maiores de toda a sociedade brasileira que almeja banir o comportamento violento e cruel praticado contra animais.
“Assim como no passado se romperam tantas ignomínias, como os grilhões da escravidão e as restrições aos direitos das mulheres e à liberdade, chega-se a um novo tempo, da redenção dos animais como sujeitos de muitos direitos repercutindo como corolário da própria dignidade humana. (ACKEL FILHO, Diomar, “Direito dos Animais”, Themis, 2001).
A ideia de respeito aos animais já se fazia presente na Grécia antiga. Sócrates propunha o respeito a todos os seres vivos como espelho da ética. Pitágoras dizia que “enquanto o homem continuar a ser destruidor impiedoso dos seres animados dos planos inferiores, não conhecerá a saúde nem a paz. Enquanto os homens massacrarem os animais, eles se matarão uns aos outros. Aquele que semeia a morte e o sofrimento não pode colher a alegria e o amor." (Pitágoras)
No Brasil, ainda permanece enraizada a velha ideia de que os interesses dos homens devem prevalecer sobre o dos animais por serem estes seres inferiores.
Fernandes Levai leciona que, “o antropocentrismo, corrente de pensamento que faz do homem o centro do mundo, como pretenso gestor e usufrutuário do Planeta, perdura há mais de 2.000 anos na cultura ocidental e desencadeou, ao longo da história, a contínua degradação do ambiente e a incondicionada exploração dos animais. Em nome da recreação humana ou de qualquer outro hábito cultural, os animais passaram a sofrer violência institucionalizada, sendo-lhes impingidos dor e sofrimento. Não obstante tudo isso, os animais têm direito” (LEVAI, Laerte Fernando. “Maus-Tratos a Animais”, artigo publicado na revista jurídica Consulex, Ano XV, nº 378, de 15 de dezembro de 2011, pág. 32).
O autor complementa que “o discurso antropocentrista clássico, que coloca a humanidade como centro do mundo e beneficiária de tudo o que existe é excludente, não alcança outras realidades sensíveis e vem provocando um flagelo ambiental sem precedentes”. (ibidem)
Os direitos dos animais têm na Constituição Federal seu pilar garantidor e, por isso, hão de valer, sobeja e eficazmente, posto não se tratarem tais regras de letras mortas.
O caput do art. 225 da Constituição Federal contempla, expressamente, os direitos dos animais.
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações
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Merece atenção especial o preceito constitucional do inciso VII, do § 1º, do art.225, no qual o legislador estabelece um imperativo ético que se destina ao resguardo da integridade física das criaturas sencientes, considerado seu valor inerente.
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
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Em síntese, o constituinte reconheceu o “valor em si” dos animais, independentemente de sua importância ecológica ou das suscetibilidades humanas.
“Frise-se que a Constituição Federal, ao vedar a crueldade contra animais, reconhecendo-os como seres passíveis de dor e sofrimento, os trata como sujeitos de direitos. O mesmo se diga quanto à inserção dos atos de abuso ou maus-
tratos contra animais na Lei de Crimes Ambientais. Ora, não se maltrata uma coisa nem um objeto; a ação de maltratar recai, obviamente, sobre seres sensíveis”. (LEVAI, Laerte Fernando. Ob. cit, pág. 35).
O pensador Alexander Von Humbolt dizia que “a civilização de um povo se avalia pela forma com que seus animais são tratados”. Nesse sentido, foram as palavras do líder político-espiritual Gandhi, para quem “a grandeza e uma nação e seu progresso moral podem ser avaliados pela forma como ela trata os seus animais”.
Alessandra Brandão leciona que “os maus-tratos têm origem no Direito Romano, o que ensejou o trato dos animais como mera coisa de domínio particular ou da União, no campo do Direito Civil. No Direito Penal, falava-se em objeto material da conduta humana e não em vítimas, enquanto o Direito Ambiental, via de regra, os recebia como recurso ambiental ou bem de uso comum do povo. Nessa concepção privatista, de raiz jurídico-romana, os animais foram afastados do âmbito da moralidade humana e, muito lamentável e surpreendentemente , no curso do século XXI, ainda há um assistir mudo, passivo e conivente, principalmente por parte da comunidade jurídica, das atrocidades praticadas contra os animais, em flagrante abuso de poder do forte e racional sobre o fraco e irracional, embora todos os seres vivos sejam merecedores, à luz da lei e da divindade, de dignidade e respeito” (BRANDÃO, Alessandra. “Os Direitos dos Animais na Sociedade Contemporânea”, artigo publicado na revista jurídica Consulex, Ano XV, nº 358, de 15 de dezembro de 2011, pág. 28).
A autora assevera que “a tradição jurídica, volvendo a história do Brasil, legou um pensamento colonialista, escravocrata, por vezes desgarrado da ética e da moral, no qual a máxima maquiavélica aplicava-se: de “os meios justificam os fins”. Mas os paradigmas do mundo contemporâneo exigem, cada dia mais, a evolução da história humana, cujo retrato não mais será o de um imenso matadouro, como no dizer de Hegel, a instigar, irrenunciavelmente, a discussão hodierna entre a moral e a política, entre a ética e o agir dos agentes públicos nas três esferas de Poder, e mais, da real participação, como reflexo do pensamento do evoluído dos intelectuais, que não pode ser estéril, mas eficaz na construção de uma sociedade mais ética e justa”.(ibidem).
Evolução legislativa
Desde 1824, com a criação da primeira associação de proteção aos animais, na Inglaterra, denominada “Society for Preservation of Cruelty to Animals”, seguindo-se a criação do Fundo Mundial para a Preservação da Vida Selvagem, a “World Wildlife Found (WWF”), e do Greenpeace, repercutiram no Brasil que, em 1934 editou o Decreto nº 24.645, estabelecendo as práticas causadoras de maus-tratos aos animais. Contudo, em 1991 o Decreto foi revogado.
Não há, hoje, no Brasil, uma lei federal tratando da questão dos animais. Os maus-tratos são regulados pelo art. 29 e 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) e pelo Decreto-Lei nº 3.688/41 (Contravenções penais). O que existe são legislações especiais dispondo sobre a pesca, a caça, o abate de animais, etc.
Além da pouca legislação que há para punir o comportamento de barbárie contra animais, as autoridades policiais quase nunca instauram o inquérito policial em face da pena branda. O mesmo ocorre com a atuação do Ministério Público que trabalha sem estímulo no combate aos maus-tratos porque sabe que não vai dar em nada. Ou seja, ninguém será punido, no máximo, o agressor cumprirá algum dever social imposto na transação penal.
O clamor social refletido nas inúmeras manifestações ocorridas no mundo todo, deixa claro a necessidade emergencial de acabar com esse círculo vicioso que contribui para a impunidade do agressor.
A violência contra os animais mina e deflagra a insegurança e o mal-estar da vida urbana das cidades brasileiras. É preciso conter qualquer tipo de comportamento violento que prejudica o convívio harmonioso entre as pessoas e os animais
Vale ressaltar a ampla pesquisa realizada pelo FBI, nos Estados Unidos, concluindo que mais de 95% da população carcerária teria cometido crueldade contra animais na infância e/ou na adolescência” (BRANDÃO, Alessandra, Ob. Cit. pág. 30).
Daí a importância de iniciativas voltadas à educação ambiental com o objetivo de orientar as crianças e os jovens quanto à consciência de que o ser humano é apenas parte do meio ambiente, devendo respeitar as diferentes realidades que convivem num mesmo espaço como imperativo de uma ética universal.
Os cientistas já derrubaram a barreira conceitual entre homens e animais. Cabe a nós, legisladores, fazermos o mesmo.
Vale mencionar a belíssima lição do pesquisador do Laboratório de Estudos sobre a Intolerância da Universidade de São Paulo e promotor de justiça, Laerte Fernando Levaique:
“A dor, como experiência subjetiva de cada ser, possui um alcance universal e atinge homens e animais, indistintamente. Enquanto os humanos podem expressar, pela linguagem, a dimensão ou a origem do seu sofrimento, aos bichos não resta outra alternativa senão recorrer à própria natureza (...) Charles Darwin, a partir da publicação de “A Origem das Espécies (1859)”, fez ruírem antigas crenças, demonstrando que homens e animais compartilham da mesma escala evolutiva, com modos peculiares de exprimir emoções e sentimentos. No seu último livro, a “Expressão das Emoções nos Homens e nos Animais, Darwin apresenta provas concludentes de que os animais vivenciam processos emotivos similares aos dos humanos, o que autoriza a enxerga-los como criaturas suscetíveis de consideração moral.
Não é preciso muito esforço imaginativo para concluir que o animal é um ser sensível. O comportamento social de cães, gatos, coelhos, porcos, macacos, papagaios ou golfinhos, por exemplo, não deixa dúvida nesse
sentido. Eles têm desejos, sentem alegria, tristeza, raiva, dor, prazer, criam relações de amizade, brincam, podem ser afetuosos e fiéis em relação ao homem. Se porventura a capacidade cerebral dos animais é limitada, ou seja, se eles não possuem condições de abstrair ou de transcender, isso não deveria autorizar sua desconsideração moral ou a exploração pela espécie mais inteligente (...)
Por tudo isto é necessário um despertar de consciências, que nos permita enxergar cada animal pelo que ele é, pelo caráter ímpar de sua existência e pelo fato de que ele simplesmente está no mundo. Reconhecer essa realidade, tão nítida e profunda, é o primeiro passo para resgatar a essência da ética e fazer compreender o verdadeiro sentido da justiça (...)
O direito, como meio à realização da justiça, não pode excluir de sua tutela quaisquer criaturas sensíveis, com base em critérios especistas de configuração biológica, caso contrário, estará legitimando com a injustiça. Se a ciência já demonstrou que dor é dor para qualquer ser vivo que possui cortéx cerebral e percepções sensoriais, em situações de crueldade, portanto, o animal – não a coletividade – é a verdadeira vítima da ação agressiva” (LEVAI, Laerte Fernando. Ob. Cit. pág. 33).
Direito Comparado Estados Unidos da América (USA)
Os EUA foram os pioneiros a legislar em prol dos animais e contra os maus-tratos e a crueldade. A “Lei de Proteção Animal”, editada em 1781, é considerada um marco legislativo na questão da tutela jurídica dos direitos dos animais. (Fonte: Animal Legal & Historical Center - www.animallaw.info/). A legislação ganha força e eficácia na medida em que as organizações não governamentais passam a fiscalizar o seu cumprimento e exigir a participação da sociedade na elaboração de políticas públicas em prol dos animais. (ibidem)
Vale destacar o importante trabalho realizado pela “Sociedade Americana pela Prevenção da Crueldade com os Animais (ASPCA)” e pela “Sociedade Humana dos Estados Unidos (HSUS)”. Todas essas organizações estão envolvidas em missões de proteção aos animais e defendem a existência de uma legislação contra a crueldade assim como a elaboração de políticas públicas voltadas para a educação ambiental. (Fonte: ASPCA legal information –www.aspca.org/site/PageServer?pagename=about_legal) A ASPCA, fundada em 1866, foi a primeira organização pelo bem-estar animal criada nos Estados Unidos. O grupo teve sucesso quando pressionou e conseguiu a aprovação do primeiro Estatuto contra a crueldade. Quase 150 anos depois, ainda continua na luta. (ibidem)
A HSUS foi fundada em 1877, pouco depois da ASPCA, com a missão de criar uma sociedade mais humana e consciente do valor da vida. Sua principal missão consiste em dar um fim à crueldade animal. (Fonte: www.hsus.org/ace/12543) A HSUS é hoje a maior organização de proteção animal nos Estados Unidos. Por mais de 50 anos, sua missão vem sendo semelhante à da ASPCA: posicionar-se contra a crueldade, abuso e negligência contra os animais. (ibidem)
Para impor o cumprimento das leis, o Poder Público conta com o apoio dos oficiais (ou detetives) de animais encarregados de combater a negligência, tortura, briga de animais organizada, aprisionamento de animais, envenenamento, alvejamento, caça ilegal/predatória, abuso ritual, bestialidade e "crush videos" (vídeos, normalmente encontrados na Internet, de animais pequenos, como gatos, sendo maltratados ou mortos). (Fonte: HSUS: Legislation References - www.hsus.org/ace/11581) Estes profissionais carregam insígnias, usam uniformes e recebem autoridade similar à de oficiais de polícia. Embora a autoridade específica varie entre os Estados americanos, a maioria dos detetives de animais tem poderes para executar prisões, atender mandados de busca, e são autorizados a portar armas de fogo (depois de intenso treinamento). (ibidem) As leis americanas que combatem a crueldade contra os animais são divididas em duas categorias básicas: leis intencionais, quando uma pessoa conscientemente fere um animal, e omissão de ação, quando alguém deixa de garantir alimento, água ou abrigo a um animal. (ibidem) Cada Estado americano estabelece e impõe o cumprimento de suas próprias leis contra a crueldade, e até julho de 2008, 45 estados decretaram penas com nível de infração grave, muitas delas punidas com prisão de até 2 (dois) anos (Fonte: The Humane Society of the United States). Os profissionais que atuam no Laboratório Forense do Serviço de Vida Selvagem e Pesca dos EUA, argumenta que:
“A elaboração de uma legislação de proteção animal abrangente, que seja obedecida é de vital importância. ela fornece a estrutura para implementação e monitoramento de um tratamento adequado aos animais e para dar um fim aos piores abusos”.
A WSPA acredita que toda nação deva ter uma legislação de proteção animal abrangente. Afirmam que os animais são seres sencientes e, portanto, sujeitos de direitos. No entanto, somente 65 dos 192 países do mundo têm leis nacionais de proteção animal, e muitas delas não são cumpridas. (pesquisa da WSPA de 2004).
O documento da WSPA Animal Protection Legislation: Guidance Notes and Suggested Provisions (Legislação de Proteção animal: Notas de Orientação e Disposições Sugeridas), explica os pontos-chave que devem ser considerados na formulação da legislação de proteção animal. O dever de cuidar é foco principal.
A introduzindo-se um “dever de cuidar” estatutário para todos os que cuidam de animais, para que cuidem de todos adequadamente e garantam que não venham a sofrer.
O “dever de cuidar” estatutário foi introduzido no novo projeto de lei de bem-estar animal na Inglaterra e no País de Gales. Isso, com efeito, faz com que a crueldade por
negligência seja considerada uma infração, tanto quanto fazer um animal sofrer deliberadamente. Isso possibilita às autoridades responsáveis pelo cumprimento atuar logo aos primeiros sinais de negligência e, se necessário, remover o animal antes que comece a sofrer.
É importante ressaltar que, a legislação sozinha é insuficiente para produzir uma mudança real nas atitudes e na proteção prática aos animais. Para ser realmente eficaz, a legislação precisa tanto do apoio popular de uma sociedade humanitária e cuidadosa quanto de uma aplicação correta da legislação.
União Europeia
A UE foi estabelecida pelo Tratado de Roma (Tratado CEE ou TCE), assinado em 1957, com o objetivo de salvaguardar a paz e promover o progresso econômico e social na Europa. (Fonte: http://europa.eu.int/comm/index_en.htm).
Não havia poderes no Tratado de Roma para introduzir a legislação da UE para o propósito específico de proteger os animais. No entanto, após muitos anos de campanha, foi combinada a inclusão de um Protocolo especial sujeito à lei sobre bem-estar animal no novo Tratado da União Europeia (Tratado de Amsterdã), que agora está incluído na Constituição Europeia proposta. (ibidem)
A essência do Protocolo é que obriga as instituições europeias a levar em conta o bem-estar dos animais quando estiverem analisando a legislação nas áreas de pesquisa, transporte, agricultura e mercado interno.
Dentro da UE, os grupos mais importantes que atuam na proteção animal são:
• O Euro-Grupo para o Bem-Estar Animal: baseada em Bruxelas, esta organização foi formada especialmente para fazer um trabalho de lobby junto à UE sobre assuntos de bem-estar animal. É constituída de sociedades e observadores de toda a UE. (Fonte: www.eurogroupanimalwelfare.org).
• A Coalizão Europeia para Animais de Produção: esta coalizão pan-europeia de
sociedades de proteção animal faz campanhas e lobby sobre assuntos fundamentais relativos a animais de produção. É coordenada pela Compassion in World Farming. (Fonte: www.ciwf.org.uk/ecfa).
• A Coalizão Europeia para o Fim dos Experimentos com Animais: esta coalizão
pan-europeia de sociedades de proteção animal faz campanha e lobby sobre assuntos relativos a experimentos com animais. É coordenada pela União Britânica pela Abolição
da Vivisecção. (Fonte: www.eceae.org).
• O Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal: esta organização internacional tem um escritório em Bruxelas, que faz lobby junto aos oficiais da UE sobre certas questões de proteção animal. (Fonte: www.ifaw.org).
• A Sociedade Humanitária Internacional (HSI) tem um lobista europeu, que faz lobby junto à UE em relação a certos assuntos de proteção animal de interesse para a Sociedade Humanitária dos Estados Unidos e da HSI. (Fonte: www.hsus.org/ace/20225)
O Conselho da Europa
Fundado em 1949, o Conselho da Europa é uma organização política intergovernamental. É considerada a defensora dos direitos humanos na Europa. Seu quartel-general permanente é em Strasburgo, na França. Seus objetivos são:
• Trabalhar por maior unidade europeia.
• Sustentar o princípio de democracia parlamentar e recursos humanos.
• Aperfeiçoar as condições de vida e promover os valores humanos.
O Conselho da Europa interessou-se pelo bem-estar dos animais porque entendeu que:
"A dignidade da humanidade não pode estar dissociada do respeito que o homem deve a seu meio ambiente e aos animais que o habitam".
O Conselho da Europa conta com 46 Estados membros europeus. A WSPA e o Euro-grupo têm status de consultores para as questões envolvendo a proteção dos animais. (Fonte: The European Commission - Institute for Animal Rights Law – IARL - www.instituteforanimalrightslaw.org/)
O Conselho da Europa tem uma série de convenções sobre legislação de proteção animal. Por exemplo, foi aceito o protocolo sobre o Bem-Estar Animal que reconhecia os animais como seres sencientes.(ibidem)
O Conselho da Europa também obrigava os Estados membros a guardar total respeito pelo assunto ao formularem e implementarem as políticas da Comunidade sobre agricultura, pesquisa, transporte e mercado interno. Isso foi incluído posteriormente na Constituição da UE.
Vale ressaltar, que as sociedades de proteção têm lutado por um acordo internacional sobre padrões de bem estar animal por muitos anos. A iniciativa líder foi da WSPA, que acredita que o primeiro passo é garantir uma Declaração Universal sobre Bem-Estar Animal no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC).
Além da União Europeia, poucos países – incluindo Índia, Áustria e Brasil estipularam a proteção animal em suas Constituições. Já em relação à legislação infraconstitucional, praticamente, todos os países do continente possuem leis federais que tratam da proteção aos animais. Vale mencionar que entre as leis de proteção animal nacionais de padrão mais elevado na Europa estão as da Suécia, Holanda e Suíça.
David Martin, vice-presidente sênior do Parlamento Europeu, acredita firmemente que “há uma conexão direta entre a maneira como tratamos os animais aos nossos cuidados e o tipo de sociedade em que vivemos. Como sempre acreditei na conversão da Comunidade Econômica Europeia em uma verdadeira Comunidade Europeia, tenho sido o primeiro a argumentar que o bem-estar animal deve ser reconhecido nos tratados que governam a União Europeia (UE). Orgulho-me que a UE tenha tomado a liderança nesta área e gostaria de ver os Estados membros e outras nações seguirem essa liderança, incluindo a proteção animal em suas constituições." (ibidem)
Outros exemplos
Na Índia, alguns dos objetivos da proteção animal foram incluídos na Constituição indiana desde sua adoção, em 1950. Em especial, o artigo 48, que lida com a agricultura, incluiu à proibição do abate de vacas, bezerros e outros animais que fornecem leite e os de tração. Em 1974, outras inclusões foram feitas, incluindo o artigo 51-A, que declarou ser dever de cada cidadão "proteger e melhorar o meio ambiente natural – incluindo florestas, lagos e vida selvagem – e ter compaixão pelas criaturas vivas".
O líder espiritual Mahatma Ghandi dizia que:
"Somente quando as nações reconhecerem os animais e oferecerem a eles certas garantias constitucionais é que poderemos esperar um código de conduta mais iluminado e eqüitativo em relação os outros seres vivos. a proteção animal já é uma questão de interesse público e de moralidade, que deve estar refletida na legislação".
Ao discorrer sobre o cumprimento da legislação, Mike Radford, advogado e destacada autoridade em legislação de proteção animal do Reino Unido, sustenta que:
“O cumprimento da lei informa as pessoas sobre a existência da legislação.
O cumprimento da lei educa-as sobre suas responsabilidades legais em relação aos animais”.
Organização Mundial de Saúde Animal (OIE)
A Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), com sede em Paris, lidera a iniciativa internacional no campo de saúde animal. É uma organização de amplas bases, com 167 países membros no momento. A OIE foi incumbida pela Organização Mundial de Comércio de investigar e decidir sobre assuntos relacionados à proteção animal no comércio mundial de alimentos. (Fonte: American Humane Association: Legislative Action - www.americanhumane.org/site/PageServer?pagename=ta_action_alerts)
A OIE, também, estabeleceu o bem-estar animal como prioridade e organizou uma conferência sobre o tema em fevereiro de 2004. Foi escolhida como órgão capaz de
produzir orientações e padrões com base científica sobre o bem-estar animal, devido a seu forte suporte veterinário e científico. (ibidem)
A organização dá prioridade ao bem-estar dos animais usados na agricultura e na aquacultura e já redigiu os padrões para o transporte por terra e mar, o abate humanitário para consumo e abate por motivos de controle de doenças. Esses padrões foram adotados pela OIE em maio de 2005. Todos os países membros devem agora implementar esses critérios, mas, até agora, não há procedimentos para o cumprimento da lei para garantir que isso seja feito. Portanto, com toda certeza, a implementação será desigual nos países membros. (ibidem)
Outros tópicos, como animais de pesquisa e vida silvestre, serão abordados em seguida, à medida que os recursos permitirem. Se a OIE progredir como se espera, parece provável que ela se tornará o órgão internacional mais importante com competência para o bem estar animal.
Organização das Nações Unidas (ONU)
A ONU tem um importante papel na arena política internacional. Na questão da proteção dos animais, são cinco as organizações que atuam com status de consultores da ONU:
• Sociedade Mundial para a Proteção animal – WSPA (1971).
• Associação Internacional contra Experiências Dolorosas em Animais (1972).
• Sociedade Humanitária dos Estados Unidos (1996).
• World Animal Net (2001).
• Fundo Internacional para o Bem-estar Animal (2002).
Declaração Universal do Bem-Estar Animal
Em março de 2003, as Filipinas foram o país anfitrião da Conferência Internacional de Manilha, que acordou os princípios de uma Declaração Universal de Bem-Estar Animal. A Declaração proposta foi aceita pelas 22 delegações que participaram da conferência. Ela reconhece que "os animais são seres vivos, sencientes e, portanto, merecem consideração e respeito". (Fonte: Eurogroup for Animal Welfare - www.eurogroupanimalwelfare.org/)
Os seus princípios declaram que o bem-estar animal "deverá ser um objetivo comum para todas as nações" e que "todos os passos adequados serão dados pelas nações para evitar a crueldade com os animais e reduzir o sofrimento deles". (ibidem)
Para levar a iniciativa adiante, um comitê dirigente formado por cinco nações foi formado. Os governos que servem neste comitê têm por objetivo garantir a participação governamental numa Declaração Universal aceita pela ONU, baseada no texto de Manilha.
Com isso, estabeleceria uma visão governamental global para o bem-estar animal, com base num conjunto de princípios aceitos. Demonstraria que o bem-estar animal é reconhecido como uma questão de importância para o grupo das Nações Unidas e a comunidade internacional. Atuaria como catalisadora para a inclusão de melhores leis sobre proteção animal no mundo todo.
Hoje, o bem-estar dos animais é um princípio comunitário consagrado no Protocolo n. o 33 relativo à proteção e ao bem-estar dos animais, anexo ao Tratado que institui a Comunidade Europeia (Protocolo n. o 33). Regulamento (CE) nº 1099/2009 do Conselho de 24 de Setembro de 2009.
Esta iniciativa não deve ser confundida com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que foi proclamada em Paris em 15 de outubro de 1978, na sede da UNESCO. Há uma percepção errônea de que a Assembleia Geral da ONU ratificou essa Declaração.
Legislação Brasileira
O objetivo desta parte é dar uma visão geral de como a lei brasileira trata os animais, destacando os principais problemas que dificultam a efetividade da proteção legal aos animais e despertando a atenção para a necessidade de se fazerem valer e de se
aperfeiçoarem as normas legais que já existem e de se elaborarem outras que disciplinem questões ainda em aberto.
A primeira norma legal brasileira a dispor sobre proteção aos animais foi o Decreto nº 16.590, de 1924, que regulamentava as casas de diversão públicas, proibindo corridas de touros e novilhos e lutas de galos e canários.
Em seguida, foi editado o Decreto nº 24.645, de 1934. Embora fosse um decreto, já que foi expedido pelo presidente Getúlio Vargas (Poder Executivo), teve força de lei, de vez que foi expedido durante o Governo Provisório, quando o Congresso estava fechado e o presidente avocara, para si, a atividade legislativa. É conhecido até hoje como “Lei de Proteção aos Animais Brasileira”: Segundo o disposto:
• todos os animais são tutelados do Estado;
• animais assistidos em juízo pelo MP e pelas associações protetoras de animais;
• as autoridades devem cooperar com as associações protetoras;
• relaciona 31 situações de maus-tratos a animais.
A partir da década de 60 do século passado, várias leis, regulando assuntos específicos, passaram a ser aprovadas pelo Congresso Nacional, em nível federal. Começaram, também, alguns Estados e Municípios, a aprovar leis relativas a animais com vigência no âmbito de suas respectivas jurisdições. Alguns exemplos: Código de Pesca – Lei nº 221, de 1967; Lei de Proteção à Fauna – Lei nº 5197, de 1967; Lei da Vivissecção – Lei nº 6638, de 1979; Lei dos Zoológicos – Lei nº 7173, de 1983; Lei dos Cetáceos – Lei nº 7643, de 1987.
Constituição brasileira
O artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII – incumbe ao Poder Público:
“VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”
A Constituição federal de 1988, seguindo a tendência mundial de preocupação com a preservação do meio ambiente, incluiu, em seu texto, um capítulo específico sobre esse assunto e nele, entre outras disposições, expressamente vedou as práticas que submetam os animais a crueldade.
Atribuiu ao Poder Público de modo geral, aí, portanto, incluindo todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e em todos os níveis (federal, estadual e municipal), a incumbência de proteger toda a fauna e toda a flora contra essas práticas.
Essas disposições da Constituição Federal foram reproduzidas nas constituições estaduais e nas leis orgânicas dos municípios.
No direito brasileiro, assim como na maioria dos países cuja legislação deriva do direito romano, os animais são classificados, no Código Civil, no Direito das Coisas, como semovente (coisas que se movem por si próprias). Como coisa, são objeto de direito e propriedade do Estado, no caso de silvestres, e particular, no caso das outras espécies . Isso torna bastante complicada a situação em que o animal é maltratado por seu proprietário. Mesmo que esse proprietário seja acionado e condenado pelo crime de maus-tratos, o animal não poderá ser-lhe retirado, a não ser que seja um animal silvestre nativo porque, neste caso, por disposição legal, o proprietário é a União.
Para uma mudança efetiva na abordagem legal das questões relativas aos animais seria necessária importante a mudança desse enfoque passando-se a considerar os animais como seres sencientes sujeitos de direito e, não, como objeto de direito. Nessa hipótese deixariam de ser propriedade de alguém passando, apenas, a ficar sob a sua guarda.
A inclusão, na atual Constituição Federal, de um capítulo dedicado ao meio ambiente e a determinação expressa, nesse diploma legal, da proibição de tratamento cruel dos animais, deu um grande impulso à produção de atos legais disciplinadores dessa questão. Um deles teve importância especial – a Lei nº 9605, de 12 de janeiro de 1998, conhecida como a “Lei dos Crimes Ambientais”, que tipificou várias situações configuradoras de infrações ao meio ambiente, administrativas e criminais.
“Art. 32 – Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º – Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º – A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”
Após a entrada em vigor dessa lei, os atos de abuso e maus-tratos, assim como os de provocar ferimentos ou mutilações nos animais passaram a ser definidos como crime.
Até então, esses atos eram considerados contravenção penal, nos termos do artigo 64 do Decreto-lei nº 3688, de 3 de outubro de 1941. A contravenção, no entanto, por tratar de atos ou omissões considerados de pouca relevância, fixa penalidades muito brandas que acabam não sendo aplicadas, o que, na prática, leva a que prevaleça a impunidade.
Ainda assim, há muita dificuldade em fazer-se aplicar a Lei nº 9605/1998 face não só ao seu desconhecimento por parte da população e, até, das próprias autoridades como, também, porque, culturalmente, ainda se dá pouca importância aos animais e a seu sofrimento o que leva as pessoas a se acomodarem, evitando envolver-se num processo por esse motivo.
Após a entrada em vigor da Lei nº 9605/1998, muito se intensificou o trabalho legislativo, em todos os níveis (federal, estadual e municipal), votando-se leis e apresentando-se projetos de lei com o objetivo de promover o bem-estar animal em várias situações: posse responsável de animais, controle humanitário da superpopulação de cães e gatos, uso didático-científico de animais, uso de animais em circos, abate humanitário, trânsito de veículos de tração animal etc.
Apesar de a própria Constituição Federal vedar, expressamente, a crueldade contra os animais e de a Lei nº 9605, de 1998, ter definido como crime os maus-tratos a animais, ainda se editam leis e se propõem projetos de lei que desrespeitam essas normas, regulando situações que, claramente, implicam em violência contra os animais.
Por outro lado, também nem sempre é fácil obter-se o cumprimento das normas legais já
existentes assim como, não raro, ao tentar-se a sua aplicação na prática, percebem-se erros e lacunas que precisam ser corrigidos e complementados.
A maneira de se obrigar o cumprimento das normas legais em vigor é o recurso à Justiça, propondo-se as ações cabíveis. Pode-se, também, recorrer ao Ministério Público, órgão incumbido de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.
Das penalidades
Os animais são os únicos seres realmente inocentes que são condenados à prisão perpétua, sessões de tortura e a pena de morte.
Sem adentrar aos debates doutrinários, o que ninguém discorda é que a pena imposta a uma determinada conduta deve ser compatível com o resultado danoso para a sociedade. Ou seja, a punição deve ser proporcional ao bem jurídico violado que, no caso em questão, é a integridade física dos animais.
No caso dos maus-tratos, a pena é branda (detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa “a quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” (Art. 32 da Lei de Crime Ambiental).
Essa sensação e impunidade é que torna o infrator destemido a praticar maus-tratos contra animais. Nesse sentido, entende Ackel Filho. Segundo o magistrado,
“A reprimenda atualmente prevista é de pouca ou nenhuma eficácia para assegurar as finalidades da norma penal. Não bastasse, as condutas são puníveis tão somente a título de dolo, o que requer intenção ou assunção de risco. Isso significa que, se a conduta for meramente culposa, decorrente de negligência, imperícia ou imprudência, sem ânimo doloso, o crime não se tipifica. A pena prevista no art. 29, de detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e aquela cominada pelo art. 32, de detenção e 3 (três) meses a 1 (um) ano, ainda, direcionam o julgamento dos rimes à competência dos Juizados Especiais, introduzidos pela Lei nº 9.099/95.
Segundo a norma, em regra, será admitida a transação penal (art. 76), que implica, apenas, algum tipo de prestação comunitária, geralmente na forma de cesta básica, além de ser possível a suspensão condicional do processo (art. 89), que conduz, inevitavelmente, à extinção da punibilidade. Sem dúvida, a resposta penal é tímida, meramente simbólic e de efeito pífio. Não previne, nem intimida” (Ob. Cit. pág. 26)
Outra questão importante que devemos abordar, diz respeito à presença obrigatória do Ministério Público para garantir a efetividade das normas protetoras.
O Ministério Público possui o dever legal de defender a sociedade, fiscalizar o cumprimento das leis e proteger aqueles que estão em situação de vulnerabilidade, que é o caso dos animais.
Além disso, o promotor de justiça possui à sua disposição valiosos instrumentos de ação, como o poder requisitório, o ajuizamento de medida cautelar de busca e apreensão e a propositura de denúncia criminal.
Daí a necessidade da presença obrigatória do MP. Os maus-tratos deflagra o horror aplicado pelos covardes aos mais fracos, que não podem se defender.
Conclusão
Nas palavras de Vanice Teixeira Orlandi.
“apesar de todos os motivos morais que desautorizam a sujeição dos seres vivos a qualquer tipo de sofrimento e dos inúmeros instrumentos administrativos e processuais pertinentes ao cumprimento da legislação protetiva aos animais, ainda prosseguem impunes os atos de abuso e de maus-tratos contra animais” (ORLANDI, Vanice Teixeira. “Abuso e Maus-Tratos a Animais: Omissão e desacertos do Poder Público”, artigo publicado na revista jurídica Consulex, Ano XV, nº 358, de 15 de dezembro de 2011, pág 36).
Nota-se que, a evolução dos direitos em foco motivou o legislador constituinte, como voz sobranceira que refletiu o anseio e a ética do povo brasileiro, a estender sua proteção aos animais, garantindo que o respeito é uma máxima que não mais permite considera-los como coisas, mas, sim como sujeitos de direito.
Os direitos dos animais se relacionam com a garantia do direito à vida e a dignidade dos próprios cidadãos
O combate aos maus tratos reflete o efetivo e eficaz cumprimento de um dever poder intransferível e inadiável, a que se conjuga a cooperação da sociedade civil, dos operadores do direito, o Poder Público e, principalmente, dos legisladores que devem estar atentos aos anseios da sociedade.
Não é demérito algum instituir direitos aos animais, ao contrário, uma postura generosa apenas vem dignificar os direitos humanos e contribuir para o amadurecimento da nossa democracia já que a nossa Constituição Cidadã garante a proteção dos animais.
Para Nina Rosa, fundadora e presidente do “Instituto Nina Rosa - Projetos por Amor a Vida”, “a educação e a coragem de fazer o bem são as principais ferramentas para a formação de uma sociedade mais justa e pacífica”.
Pelo respeito a tudo o que vive e sente, é imperioso dispor sobre os direitos dos animais e as formas de combater os maus-tratos. Esse é o comportamento que a sociedade espera de nós, legisladores. Só assim conseguiremos fortalecer os laços de amor, fraternidade e generosidade em nossa sociedade.
Por fim, Leonardo da Vinci dizia que “Virá o dia em que a matança de um animal será considerada crime tanto quanto o assassinato de um homem”.
Trata-se de proteger a vida acima de tudo e punir o comportamento violento contra animais.
O Projeto e lei que ora apresento reúne o que já existiu e o que há, hoje, de melhor em termos de legislação nacional e internacional voltada à proteção dos animais. Também sintetiza sugestões das associações representativas que militam em defesa dos animais, e, acima de tudo, reflete os anseios de toda uma sociedade engajada em exigir punição aos atos de violência praticados contra os animais.
Por isso, espero contar com o apoio dos nobres colegas para a aprovação desta iniciativa, rumo a uma sociedade menos violenta e em prol da vida.
Sala das Sessões, em de de 2012.
Deputado ELISEU PADILHA
PMDB/RS


Um comentário:

RAFINHA MORAWSKI disse...

Adorei isso! Projeto muito importante ao meu ver. Gostei da frase: O pensador Alexander Von Humbolt dizia que “a civilização de um povo se avalia pela forma com que seus animais são tratados”. Concordo!