Tony Saad / lingüista e professor
Sempre estranhei expressões pejorativas envolvendo animais. Palavras como “porco”, “gambá”, “serpente” e “rato”, para citar algumas, são diariamente usadas para detratar pessoas. Outras expressões como “animalesco” e “selvagem” servem para retratar pessoas ou atitudes cruéis, indignas de nossa tão evoluída espécie.
Mas não nos acho tão evoluídos assim. Somos, isso sim, gente que não assume seus gestos brutos e cruéis. Somos muito mais cruéis do que qualquer animal, uma vez que ditamos nosso convívio por regras que pretendem tornar nossos agrupamentos sociais mais justos, menos perigosos, mais “humanos”, se me permitem a ironia, apenas para depois ignorar estas mesmas regras quando nos é conveniente.
Basta um exame um pouquinho menos superficial para nos darmos conta de que os verdadeiros irracionais do planeta somos nós mesmos. Animais não colocam o seu habitat em risco, como vimos fazendo há muito, muito tempo. Animais não se exterminam em massa por determinação de um ou outro membro de sua comunidade. Animais não põem em risco o planeta que habitam para colher benefícios mesquinhos de curto prazo. Criamos as noções de “crueldade”, “injustiça” e “perversidade”, entre outras, apenas para depois incluí-las em nossas atitudes em relação a outras pessoas e demais animais do planeta. Somos humanos.
Poderia dizer que o modo como tratamos outros animais que de nós dependem e dos quais dependemos é “animalesco”, mas iria, assim, contra tudo que penso e observo. Animais, se deixados em paz por nós, agem com naturalidade, com a inatacável lógica da natureza. Nós não. Maltratamos animais domésticos, os usamos de acordo com nossa conveniência e depois os matamos ou pior. Abandonamos cães que nos dedicaram sua vida sem nada pedir em troca apenas porque estão velhos ou doentes ou mesmo prenhes. Deixamos cavalos a céu aberto no mais rigoroso dos invernos e sem alimento minimamente apropriado, para depois obrigá-los a trabalhar duro de sol a sol para nosso lucro, sob açoite ou coisa pior. Somos humanos.
Nos elegemos os senhores da terra, proprietários do ar e donos das águas do planeta. Como tais, escravizamos quaisquer animais que possam nos trazer alguma vantagem. Por dinheiro, açoitamos leões e elefantes em circos imundos; por dinheiro, flagelamos animais para que arrastem as milenares rochas que dinamitamos e as centenárias árvores que derrubamos; por poder, treinamos animais para matar, para atacar pessoas e outros animais, para ameaçar nossos semelhantes. Para nossa vantagem, submetemos outros indefesos animais a torturas, doenças induzidas, tratamentos “desumanos”, com o propósito de descobrir curas para doenças por nós mesmos criadas. Para vendermos um creme facial mais eficaz ou uma tintura para cabelos mais atraente, submetemos centenas de animais a verdadeiras torturas e, ao fim das “pesquisas”, nos livramos das inúteis cobaias. Somos humanos.
O homem quer comandar o destino de todos os animais do planeta antes de aprender a dominar a si próprio. O erro da ética até agora tem sido a crença de que só se deva aplicá-la em relação aos homens. Um homem só é verdadeiramente ético quando obedece à sua compulsão de ajudar toda a vida que existe, apenas quando evita ferir todo ser que vive. Antes disso, ética é apenas um belo apanhado de conceitos. Quando o homem aprender a respeitar até o menor ser da criação, então ninguém precisará ensiná-lo a amar seu semelhante. Até este dia, continuaremos a ser apenas humanos.
Fonte:Gazeta do Sul
Opinião -Ângela Rocha |
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