sábado, 22 de novembro de 2008

Diabos-da-tasmânia ganham esperança contra câncer letal

Eles são bem pretos, têm orelhas pontudas, pelagem espessa e, de um modo bastante feroz, são bonitinhos. E, em maio deste ano, foram adicionados à lista australiana de espécies animais ameaçadas.



Os diabos-da-tasmânia estão sendo atacados por uma forma mortífera de câncer, a doença dos tumores faciais, desde 1996












Os diabos-da-tasmânia, animais que usualmente levam vidas solitárias, só se reúnem para se banquetear com carniça e para o acasalamento em cópulas curtas mas passionais durante as quais se machucam seriamente a unhadas.

Os gritos apavorantes que emitem - uma seqüência de ladridos, rosnados e grunhidos - servem para evocar visões satânicas desde que os primeiros colonizados europeus chegaram à ilha da Tasmânia, mais de um século atrás.

"Os pais costumavam dizer aos seus filhos que eles não saíssem pelo mato porque o demônio os apanharia", relembra o Dr. Greg Woods, professor associado de imunologia no Instituto Menzies de Pesquisa, em Hobart, a capital tasmaniana.

Mas nos últimos 10 anos os demônios da Tasmânia se viram aprisionados em um purgatório muito peculiar à espécie. Desde 1996, uma forma mortífera de câncer, a doença dos tumores faciais, vem atacando a população de diabos-da-tasmânia.

O número de animais registrado na ilha caiu de 150 mil para menos de 50 mil, desde então, de acordo com o Dr. Hamish McCallum, cientista sênior do programa de combate à doença dos tumores faciais em diabos-da-tasmânia na Universidade da Tasmânia.

A situação dos animais se tornou muito precária. Mas à medida que o conhecimento acumulado sobre a doença aumenta, surgem novas esperanças. Os cientistas deram início a um programa experimental de vacinação e, este ano, Woods identificou um diabo-da-tasmânia que conseguiu montar resposta ao tumor com base em seus anticorpos.

O animal em questão, Cedric, um macho de três anos capturado no oeste da Tasmânia diversos meses atrás, e seu meio-irmão, Clinky, estão sendo usados em experiências.

Woods inoculou os dois espécimes, que não tinham a doença quando capturados, com células irradiadas - ou seja, mortas - da doença de tumores faciais. Ainda que tenham a mesma mãe, Cedric e Clinky são filhos de pais diferentes. Woods repetiu a vacinação por três vezes.

Depois, administrou células vivas de tumor a ambos. Cedric conseguiu montar uma resposta do sistema imunológico e sobreviveu. Clinky não desenvolveu a resposta imunológica e sucumbiu ao câncer. A herança genética do pai de Clinky o tornava mais parecido com os animais encontrados no leste da Tasmânia.

Todos os sistemas imunológicos de mamíferos dependem de certas células para reconhecer invasores. A demarcação da "alteridade" no nível celular é executada em uma parte do genoma dos mamíferos conhecida como grande complexo de histocompatibilidade, ou MHC.

A capacidade de um animal para combater doenças depende desse grupo de genes. O MHC é responsável pelos marcadores celulares que diferenciam entre células que formam parte do ser e células que não o integram. Mas o MHC do tumor é que o torna mortífero para os diabos-da-tasmânia .

"O tumor não porta marcadores celulares que o identifiquem como externo", disse a Dra. Katherine Belov, cientista do Grupo de Genômica da Fauna da Australásia, na Universidade de Sydney.

"Caso o tumor se desenvolva em um diabo-da-tasmânia, o sistema imunológico do animal deveria ser capaz de marcar essas células como externas. Isso não acontece porque as células do tumor são parecidas com as células do animal".

Belov comparou o processo à busca genética de compatibilidade em transplantes de órgãos. "É preciso ter os mesmos genes que um doador no MHC; caso exista diferença, o órgão transplantado termina rejeitado".

Se o tumor fosse um órgão de que necessitassem, os diabos-da-tasmâniaseriam receptores perfeitos. Em outras palavras, o MHC dos diabos-da-tasmânia é idêntico ao do tumor. Por não reconhecer a célula como externa, o sistema imunológico não cria anticorpos.

O tumor facial dos animais foi revelado pela primeira vez em uma foto obtida por um holandês que fotografa animais selvagens, Christo Baars, em uma visita ao Monte William, no norte da Tasmânia.

O número de diabo-da-tasmânia afetados pela doença - que deforma lábios e mandíbulas e obscurece narizes e olhos com feridas supuradas - continuou a crescer, especialmente nas porções leste e norte da ilha.

A doença é sempre fatal. Os animais morrem de fome e desidratação quando os tumores nas gargantas e mandíbulas tornam impossível comer e beber. Até recentemente, os cientistas não eram capazes de explicar a causa ou modo de transmissão do câncer.

"Predissemos que eles seriam vulneráveis a vírus" porque são uma população que procria em circuito fechado, afirma Woods.

"Que o problema que causou tamanha devastação tenha sido um câncer apanhou a todos nós de surpresa". Mas o câncer, constataram Woods e seus colegas, era diferente de qualquer modalidade que os pesquisadores tivessem visto no passado.

"Em todos os demais cânceres, o que acontece é que as células do corpo se descontrolam, enquanto no caso desse corpo as células não são do anfitrião, mas de um animal diferente", disse McCallum. "O tumor em si é um agente infeccioso".

O tumor que vem causando tamanhas perdas aos demônios da Tasmânia é um clone, derivado de um animal. Quando os animais se mordem no rosto, como é costume na temporada de acasalamento, as células do tumor são transmitidas de animal a animal.

O demônio da Tasmânia tem cerca de 30 cm de altura e 15 kg de peso, quando desenvolvido, e é o maior dos marsupiais carnívoros sobreviventes.

O animal está sob proteção oficial desde 1941, para evitar a caça intensa por colonos e agricultores, os quais acreditavam que o animal tomasse seu gado e ovelhas como presa.

Tanto a agricultura quanto o crescimento da população humana contribuíram para fragmentar o habitat do demônio da Tasmânia. De 1900 até o presente, a população humana da Tasmânia quase triplicou, para pouco menos de 500 mil pessoas.

No passado espalhadas por toda a ilha, as populações de demônios da Tasmânia se tornaram mais isoladas, e a procriação passou a ser mais restrita, gerando semelhanças genéticas.

Cedric foi o primeiro animal a passar por uma vacinação bem sucedida usando células de câncer que foram mortas previamente. Woods posteriormente encontrou um segundo demônio da Tasmânia que se provou capaz de montar resposta imunológica ao câncer.

Três outros demônios da Tasmânia do leste da ilha que foram inoculados com a vacina desenvolveram a doença ainda assim, o que sustenta a hipótese de Woods de que os animais da porção oeste da ilha mantiveram uma maior diversidade genética.

Salvar o demônio da Tasmânia da extinção se tornou um imperativo de conservação. De acordo com McCallum, sem intervenção pesada os animais estarão extintos em cinco anos.

Woods disse que começaria a busca por demônios da Tasmânia que resistiram naturalmente à doença no ano que vem. Ele aposta que a melhor resposta dos animais à doença pode estar em seu genoma.

Mas mesmo que demônios da Tasmânia com MHC diferenciado sejam encontrados, Belov acredita que a corrida armamentista imunológica está longe de encerrada. Ele já encontrou algumas indicações de que o tumor esteja se adaptando.

Enquanto anteriormente os tumores encontrados eram todos clonais, "agora estamos vendo ligeiras diferenças nos cromossomos". "Eles começaram a evoluir a partir do clone ou célula original", ela afirmou.

"Caso venham a desenvolver estratégias de evasão à resposta imunológica, como por exemplo a desativação completa do MHC, o tumor tem o potencial de infectar indivíduos com MHC diferente. Caso ele consiga regular a ação de seu MHC superficial, ou seja desligá-lo, o tumor não só teria o potencial de infectar animais com MHC diferente mas também poderia cruzar a barreira entre as espécies".

Caso isso acontecesse, a vítima mais provável seria o mais próximo parente vivo do demônio da Tasmânia, o dasyurus de cauda pintada. O dasyurus, conhecido localmente como quoll, é mais um marsupial carnívoro natural da Tasmânia.

Do tamanho de um gato doméstico pequeno, ele tem pelagem marrom avermelhada com manchas brancas, e já é considerado como espécie ameaçada.

Tradução: Paulo Migliacci
The New York Times

Nenhum comentário: