Cazaquistão abrigou mais antigos cavalos domésticos do mundo, diz estudo
Bichos eram montaria e fonte de leite e carne há 5.500 anos.
Local pode indicar berço das línguas faladas hoje na Europa e na Índia.
Foto: Science/AAAS Segundo pré-molar inferior de um dos cavalos Botai: as marcas só poderiam ter sido feitas pelo uso de rédeas (Foto: Science/AAAS)
O Cazaquistão pode até não ser o maior país do mundo, como diz o personagem-título do filme "Borat", mas descobertas arqueológicas no lugar mostram que ele provavelmente é o berço de uma prática que revolucionou o planeta: a criação de cavalos. Há cerca de 5.500 anos, dizem os pesquisadores, uma tribo da região já criava os equinos e aparentemente os usava como montaria, bem como fonte de carne, leite e couro, entre outras matérias-primas.
Mais importante ainda: a chamada cultura Botai, como é conhecido o antigo grupo cazaque, pode estar entre os mais antigos ancestrais dos indo-europeus, etnia cujos dialetos deram origem a quase todas as línguas faladas na Europa, do português ao russo, bem como aos idiomas do Irã e da Índia. Há décadas os arqueólogos associam a expansão dos indo-europeus primitivos com a domesticação do cavalo. "Acho que estamos chegando perto de resolver essa questão. Se os primeiros indo-europeus não foram a cultura Botai, parece bem provável que tenham surgido ali perto, seja na Rússia, seja no próprio Cazaquistão", declarou por telefone ao G1 a antropóloga americana Sandra Olsen, do Museu Carnegie de História Natural (Pittsburgh, EUA).
Junto com seu colega britânico Alan K. Outram, da Universidade de Exeter, Olsen é co-autora de um artigo na revista especializada "Science" desta semana, que descreve as novas descobertas sobre os Botai e seus cavalos. A grande presença de cavalos nos vilarejos do grupo -- mais de 90% dos ossos de animais, segundo Olsen -- e uma série de outros detalhes sugeriam a domesticação dos bichos por volta do ano 3500 a.C. Mas alguns críticos ainda duvidavam, diz Outram.
"Existe a questão da estrutura de idade dos indivíduos nas manadas", explicou ele ao G1. "Animais domésticos abatidos normalmente tendem a ser indivíduos jovens, enquanto grupos selvagens mortos por caçadores apresentam várias idades, dos filhotes aos mais velhos. Os cavalos dos Botai têm esse segundo tipo de estrutura etária. Mas, quando você começa a usar os animais também como montaria, é natural que indivíduos mais velhos sobrevivam, em vez de serem comidos. Então, não era uma crítica muito boa", afirma Outram.
Uma cazaque moderna ordenha uma égua no norte do país (Foto: Alan K. Outram/Divulgação)
O trabalho atual envolve três tipos importantes de dados. Primeiro, os pesquisadores comparam as patas dos cavalos dos Botai com equinos selvagens da Era do Gelo e animais claramente domesticados da Idade do Bronze (cerca de 1.500 anos mais recentes) e da Mongólia atual. "Por algum motivo ainda desconhecido, mas que aparentemente tem a ver com o confinamento dos cavalos em currais, os domésticos têm membros mais delgados que os selvagens", diz o britânico. E, de fato, nesse quesito os cavalos pré-históricos cazaques se parecem com os que com certeza são domesticados, e não com os bichos da Era do Gelo.
Os pesquisadores também identificaram, nos dentes dos animais, um tipo de desgaste que normalmente só é causado pelo uso de rédeas (e que você pode ver na foto acima). Finalmente, vasilhas de cerâmica nos sítios arqueológicos possuem resquícios de proteínas típicas da carne e do leite de equinos. Como é praticamente impossível ordenhar uma égua selvagem, tudo isso conflui para dizer que os bichos eram realmente domesticados.
Até aí tudo bem. Mas quem eram os Botai, afinal de contas? "É sempre difícil fazer esse tipo de inferência. Não presumo saber que tipo de língua eles falavam, mas a cultura deles parece indo-europeia. Existe, por exemplo, uma associação entre os cavalos e o deus do sol que é comum nas culturas indo-europeias [na Grécia, por exemplo, o deus solar Apolo viajava pelo céu num carro puxado por dois cavalos]. Sabemos disso porque os cavalos dos Botai eram enterrados com a cabeça voltada para o sudeste, considerada a direção de onde o Sol vinha. A cerâmica Botai também se parece muito com a cerâmica indo-europeia primitiva", diz Sandra Olsen.
Se a antropóloga estiver certa, o mais antigo ancestral do português, do inglês, do russo e de muitas outras línguas originalmente foi falado em algum lugar das estepes cazaques. Os falantes dessa língua-mãe teriam usado o cavalo como uma ferramenta expansionista, que lhes deu mobilidade e vantagens militares para se espalhar até o extremo oeste da Europa e também ao sul, rumo ao Paquistão e à Índia.
Reinaldo José Lopes
Do G1, em São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário