Biólogos de pelo menos 10 centros de pesquisas e organizações não-governamentais criaram uma força-tarefa para tentar conter a matança de bugios no Rio Grande do Sul. Os macacos estão sendo mortos pela população por causa do surto de febre amarela no estado, especialmente em áreas rurais.
Na última terça-feira, Porto Alegre também foi incluída como zona de risco da doença. Com a campanha "Proteja seu Anjo da Guarda", os pesquisadores querem mostrar à população que os bugios são essenciais para o combate ao surto e não podem ser culpados pela doença.
- Cerca de 1,4 mil macacos já foram encontrados mortos em todo o estado neste ano. A Vigilância Sanitária só conseguiu colher material biológico para teste em uma pequena parte dessa amostra. Entre os animais testados, mais da metade foi vítima de febre amarela. A necropsia mostra que a outra parte apresenta um quadro compatível com envenenamento, mas os estudos neste sentido não foram aprofundados - explica o professor Julio Cesar Bicca-Marques, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
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As pessoas não entendem que o animal é, na verdade, um grande parceiro na luta para conter o surto. Os bugios são extremamente suscetíveis à febre amarela. Quando eles aparecem mortos, os órgãos de Saúde entram em alerta
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Os pesquisadores ainda recebem relatos de fazendeiros e mesmo de alunos de escolas do interior que mostram que a população está envenenando os animais, por culpá-los pelo surto da doença.
- O que as pessoas não entendem é que o animal é, na verdade, um grande parceiro na luta para conter o surto. A doença só foi constatada exatamente porque os macacos morreram. Os bugios são extremamente suscetíveis à febre amarela. Quando eles aparecem mortos, os órgãos de Vigilância Sanitária entram em alerta - explica o analista ambiental Marcos Fialho, do Centro de Proteção de Primatas Brasileiros (CPB), órgão ligado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
De acordo com a pesquisadora Thaïs Condenotti, coordenadora do grupo de primatas da Associação para Conservação da Vida Silvestres, bandos de macacos que eram monitorados nas cidades de Fortaleza do Valos e Tupanciretã, entre outras, já desapareceram.
- Esses animais sumiram completamente. Estamos vendo mais uma espécie desaparecer sob os nossos olhos no Rio Grande do Sul, vitimadas pela febre amarela e também pela população - diz Thaïs.
No Rio Grande do Sul, tanto o bugio ruivo, típico da faixa leste do estado, quanto o bugio preto, mais comum na região oeste, estão ameaçados de extinção. Animais da mesma espécie ainda são vistos em abundância em outros estados, como os do Centro-Oeste e em São Paulo, mas os pesquisadores descartam a possibilidade de se recolonizar a área.
- Os animais têm adaptações locais próprias: comem folhas típicas da área, tem doenças e parasitas típicos em cada região. Não se pode pegar um macaco de São Paulo e trazê-lo para cá ou vice-versa. É uma hipótese fora de cogitação - explica Bicca-Marques.
O analista ambiental do CPB explica ainda que, em todo o planalto gaúcho, no centro do estado, os bugios já não existem mais.
- Os relatos históricos mostram que esses animais sumiram exatamente durante um outro surto de febre amarela, entre as décadas de 50 e 40 - afirma Fialho.
- O pior disso tudo é que quanto mais bugios desaparecem, mais os mosquitos se aproximam do homem - diz Thaïs, referindo-se ao fato de a espécie servir de alerta para o surgimento de focos de febre amarela.
A pesquisadora lembra ainda que, com a redução das matas, mais os mosquitos se aproximam das cidades.
- Nos poucos fragmentos de matas ciliares e de Mata Atlântica, já há uma superpopulação de mosquitos. Por conta da destruição do meio ambiente, podemos ficar cada vez mais suscetíveis. Agora vem o inverno, e o número de mosquitos diminui, mas não temos ideia de como será o próximo verão - diz Thaïs.
Frentes de proteção
Para tentar conter a matança, os órgãos que participam da campanha foram divididos em três frentes. Uma delas é a fiscalização. A Polícia Ambiental será acionada para fiscalizar com mais rigor e punir quem for pego maltratando ou matando animais silvestres.
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As pessoas devem assumir a responsabilidade de zelar pela própria saúde. Basta ir tomar a vacina. Os bugios não têm essa opção e acabam sendo tão vítimas quanto nós da febre amarela
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- A segunda frente é mais acadêmica, ficará a cargo dos pesquisadores, que tentarão avaliar o impacto da morte desses 1,4 mil animais na população. Esses animais que morreram foram encontrados perto de sedes de fazenda ou áreas povoadas, dentro das matas, a situação pode ser ainda mais crítica - alerta Fialho.
A terceira parte é a campanha de conscientização propriamente dita, que está sendo feita especialmente pela internet e também por meio de folders e cartazes, distribuídos pelas secretarias estadual e municipal de saúde.
- Também estamos indo às rádios e televisões, por meio de entrevistas, na tentativa de levar informação aos pontos mais distantes do estado - diz Bicca-Marques.
Thaïs lembra ainda que a vacinação é muito importante.
- As pessoas devem assumir a responsabilidade de zelar pela própria saúde. Basta ir tomar a vacina para evitar a doença. Os bugios não têm essa opção de se vacinar e acabam sendo tão vítimas quanto nós da
Fabiana Parajara, O Globo
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