Beto Grill*
No início de janeiro de 2008, escrevi um artigo em ZH repudiando a ação demagógica do Estado quando colocou uma força-tarefa expressiva para combater o risco à segurança ambiental em Capão da Canoa.
Foi impedida a realização do show pirotécnico e da festa de réveillon, após o recebimento de denúncia de que havia um ninho de corujas nas proximidades. Este se encontrava ameaçado, pela falta de planejamento adequado das autoridades, quando da queima dos fogos. Suspensa a comemoração, foi montado um aparato militar por vários dias para evitar que os banhistas viessem a causar qualquer tipo de desventura à família, comodamente instalada nas dunas daquela praia.
Na ocasião evitei entrar no mérito da suspensão. Afinal, existia o perigo iminente. Entrementes, durante esses quase 15 meses, em diversas ocasiões tenho presenciado fatos semelhantes sem a menor interferência do poder público. Quando, por exemplo, assisto pela televisão aos quero-queros recebendo boladas nos estádios de futebol, sendo machucados e até mortos, fico pensando: por que as mesmas forças que se moveram tão prontamente naquele episódio não reagem a essas violências continuadas contra a fauna? Em especial à agressão deste pássaro que é a ave símbolo, a sentinela do Rio Grande. Por que não paralisar o Campeonato Nacional ou interditar o Beira-Rio ou o Olímpico até que se resolva o problema?
Durante esse período, mantive a minha contrariedade com o ocorrido no Litoral por não reconhecer aquela atitude como parte de um projeto estruturado que previsse e executasse ações similares em situações análogas. O Estado aproveitou para brilhar mais do que os fogos, se tivessem sido queimados.
Agora não foi possível calar. Observar o descaso dos governantes com tragédias, quadros macabros como o que ocorre no canil de São Leopoldo, é revoltante. E, tenham certeza, não é caso isolado. Muitos são os maus-tratos aos animais. Também acontece com pessoas que, aos milhares, estão expostas a uma condição sub-humana, uma vida de cachorro sem dono, sem que o governo cumpra a sua obrigação de provê-los. E, tal qual em São Leopoldo, ninguém se responsabiliza. É um eterno jogo de empurra.
Movido pela indignação que, tenho certeza, é um sentimento comum a todos que assistiram à reportagem da RBS, faço coro aos que protestam contra tamanha brutalidade. A revolta é ainda maior constatando-se que para as abençoadas aves a resposta foi imediata e eficaz: a qualquer custo, não se poderia permitir nenhum desconforto para as corujas. Já os caninos têm seu sofrimento minimizado apenas pela atuação de voluntários, sensibilizados com as imagens da televisão.
Frente a esta realidade, embora com triste ironia, pode-se afirmar que a grande mágoa, o maior infortúnio dos cães, é não terem nascido corujas.
*Médico, ex-prefeito de São Lourenço do Sul e Cristal, ex-deputado estadual
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