quinta-feira, 7 de maio de 2009

RESPONSABILIZAR PROPRIETÁRIOS DE CÃES E GATOS:

UM PILAR FUNDAMENTAL NA POLÍTICA DE CONTROLE ANIMAL

A população paulistana não tolera mais o abandono de cães e gatos, o
sofrimento escancarado desses animais, os maus-tratos, os atropelamentos, a
formação de matilhas, todos procriando livremente...

Uma ferida que deve ser tratada urgentemente e que vai muito além da total (e urgente) reformulação estrutural e profissional do Centro de Controle de Zoonoses e de seus administradores.
Entre protetores de animais é consenso: “animal não brota nas ruas, não nasce
no asfalto e sobrevive até a idade adulta sem supervisão humana. Animal adulto
nas ruas é sinal de descaso e abandono”. Recentemente, ao participar de
audiência na Câmara Municipal de São Paulo, Júlio César de Oliveira, vereador
em Jundiaí, afirmou: “enquanto estivermos lutando arduamente por mais
abrigos e adoção é porque ainda estamos fracassando. Os animais precisam de
proprietários responsáveis, de uma família humana, e não serem
abandonados”.
E todos sabem: cada dia é mais difícil conseguir uma família responsável
interessada em adotar um cão. Os gatos, nesse sentido, levam vantagem,
atraindo um bom número de candidatos para adotá-los, até porque na cidade
altamente verticalizada e com mais pessoas optando por morar sozinhas, os
felinos domésticos são considerados animais de estimação mais adequados –
em geral, silenciosos e mais independentes do que os cães. Mas mesmo os
protetores que se dedicam prioritariamente aos gatos sentem, atualmente,
maior dificuldade em conseguir boas adoções. Provavelmente, reflexos da crise
econômica que ainda ameaça a maior parte das economias do mundo, inclusive
o Brasil, mas também sintoma do crescimento desenfreado do abandono.
Nesse cenário, é urgente São Paulo retomar o registro e identificação de todos
os cães e gatos, programa abandonado pelo Poder Público. O RGA (Registro
Geral do Animal), instituído pela Lei 13.131/01, de autoria do vereador Roberto
Tripoli (PV), deve ser modernizado com a introdução da microchipagem, pois
proprietários mal intencionados livram-se da plaqueta ou nem a colocam na
coleira do animal, o que é praticamente impossível com o microchip. Nesse
sentido, o sistema eletrônico de identificação é fundamental para coibir o
abandono, e ainda facilita o reencontro de animais extraviados indevidamente.
À época da elaboração do projeto que resultou nessa lei municipal, não havia
normas técnicas brasileiras padronizando os microchips, além do elevado
preço. Hoje, a situação é diferente, existem normas técnicas e os microchips à
venda no País são bastante avançados e seguros (nos rebanhos bovinos, são
utilizados em larga escala, bem como em animais silvestres). O mesmo
aconteceu com os equipamentos de leitura.
Além de retomar o registro e instituir a microchipagem, é imprescindível
implantar um banco de dados completo e controlado pelo Poder Público (com o
maior número de campos relativos a cada animal registrado, inclusive
agressividade, doenças, vacinas), além de implementar uma fiscalização efetiva
e eficiente. Os fiscais deverão aplicar multa em quem abandona seu animal,
aproveitando ainda para efetivar a aplicação de sanção aos proprietários e
condutores de animais, que não recolhem as fezes de seus cães, em locais
públicos ou cometem outras infrações previstas na legislação vigente relativa
aos animais domésticos. Além da multa, quem abandona pode ser penalizado
com taxas de permanência e outros gastos que o Poder Público venha a ter
com o animal. Mas isso tudo, obviamente, só é possível com um eficiente
sistema de registro e identificação.
A lei 13.131/01 determina tanto a multa pelo abandono como pelo não
recolhimento dos dejetos. Esse instrumento legal prevê ainda multas para
proprietários que conduzem cães sem coleira e guia, entre outras sanções
administrativas. A multa para quem abandona é de R$ 500,00. Haveria
necessidade de atualizar alguns valores, como a multa para quem não recolhe
dejetos, que atualmente é praticamente simbólica – R$ 10,00 e poderia, por
exemplo, chegar a R$ 150,00 (valor estipulado em Curitiba).
LEIS EXISTEM, DEVEM SER CUMPRIDAS
A Dra. Erika Bechara, autora do livro "A Proteção da Fauna Sob a Ótica
Constitucional", consultada a respeito da aplicabilidade das punições
administrativas, garantiu: "nosso problema não é de uma falta de lei que proíba
certos comportamentos cruéis e anti-higiênicos, principalmente aqui em São
Paulo, já que temos a Lei 13.131/01, do Tripoli, que trabalha com as duas
questões (dejetos e abandono). O art. 16 desta lei determina aplicação de multa
para o condutor que não recolher os dejetos fecais do seu animal de estimação
(mas a multa é pequena, R$ 10,00) e o art. 23 proíbe o abandono de animais
em vias e logradouros públicos e privados, aplicando uma multa mais
intimidadora, de R$ 500,00."
E observou: “Com relação aos dejetos, seria preciso que fiscais da prefeitura
flagrassem o dono do cão, no momento exato da infração. Além disso, há a falta
de cultura de se punir alguém que esteja “andando pela rua”. Os agentes da
Prefeitura dizem que "não podem" abordar o cidadão. No entanto – frisa a
advogada - desconheço impedimento legal para esta abordagem".
''O agente poderia, sim, parar o cidadão, pedir seu RG e aplicar a multa -
garante Bechara. A dificuldade, em meu entender, está em obter os dados
dessa pessoa. Mas uma possível solução para este problema viria a partir do
RGA, pois ainda que o proprietário quisesse dar número falso de seu RG, o
RGA do animal (que deve estar obrigatoriamente na coleira) forneceria as
informações necessárias para a autuação. E o cidadão não poderia impedir que
o fiscal conferisse o RGA do animal."
"Já com relação ao abandono, a punição do infrator dependerá de vários
fatores, dentre eles: possibilidade de identificação do dono a partir da
identificação do animal (e o RGA é essencial para tanto) e comprovação de que
o animal foi abandonado (obviamente os proprietários dirão que o animal
desapareceu, fugiu...)".
IRRESPONSABILIDADE E PREJUÍZOS
A posição externada por Erika Bechara reforça a urgência de uma campanha
maciça e permanente de registro e identificação de cães e gatos (com
microchip), com posturas rígidas do Poder Público no sentido de coibir os
abusos, sobretudo o abandono. A fiscalização permanente e eficaz poderia
resultar em aportes para os cofres públicos, revertendo o cenário atual, onde os
proprietários irresponsáveis só provocam prejuízos para o Município, para a
sociedade e o meio ambiente.
Animais abandonados provocam ou são vítimas de acidentes; podem transmitir
zoonoses e atacar pessoas, agindo solitariamente ou em matilhas; causam
prejuízos à fauna silvestre (gatos, mesmo alimentados, caçam; e muitos cães
atacam pequenos animais em parques, inclusive veados e bugios), entre outros
agravos. E além de tudo, as ONGs e protetores independentes são cada vez
mais onerados, tentando salvar cães e gatos abandonados pela sociedade e
vítimas do descaso público.
Em relação às zoonoses, cabe observarmos a ameaça da Leishamaniose, que
ronda São Paulo e pode gerar uma matança em massa de cães (principalmente
os não identificados), abandonados por pessoas amedrontadas pela
possibilidade de contaminação de suas famílias, pois o Poder Público não está
dando atenção a campanhas de esclarecimento e prevenção.
Vale lembrar, ainda, que se o Poder Público também exercesse uma rígida
fiscalização sobre o Comércio de Cães e Gatos (Lei Municipal 14.483/07, de
autoria do Vereador Tripoli), já teríamos um bom número de animais registrados
e identificados com microchips; além da aplicação e efetiva cobrança das
multas previstas para estabelecimentos e/ou criadores que descumprem o
estabelecido neste instrumento legal, o que infelizmente não vem acontecendo.

VONTADE POLÍTICA É O QUE FALTA
Não podemos mais aceitar os argumentos baseados na “falta de verbas, falta
de equipamentos e funcionários”, usados pelas autoridades para justificar o
descontrole e até descaso em relação às questões envolvendo os animais
domésticos. O que falta, evidentemente, é vontade política!
Pode ser que o Poder Público tenha que investir um alto montante num primeiro
momento. Mas, certamente, ao longo do tempo, a cidade e os paulistanos
lucrarão, social e materialmente -- com a mudança de cultura e com a entrada
de verbas provenientes de multas e taxas. Além disso, com a prática da posse
responsável e diminuição do abandono, haverá a redução de muitos gastos que
oneram os cofres públicos (exemplo: o socorro e assistência em hospitais da
rede pública para vítimas de acidentes causados por animais soltos em vias
públicas ou o recolhimento de animais abandonados).
Assim, para alavancar o programa, talvez o Poder Público tenha que gastar
entre R$ 8 a 10 milhões a médio prazo. Este montante seria investido na
compra de microchips (entre 500 mil a 1 milhão de unidades), leitores e outros
equipamentos (como palmtops, smartphones ou netbooks para os fiscais
poderem acessar imediatamente o banco de dados de registro e identificação,
conhecendo, além da identificação do proprietário, todos os dados relativos ao
número do microchip eventualmente lido no animal). Os gastos iniciais incluem
também, entre outros detalhes, a implantação do banco de dados, a retomada
do programa de registro e identificação em massa e a montagem de equipes de
fiscalização.
Se a cidade estipular em R$ 150,00 a multa por dejeto não recolhido, 10 mil
proprietários porcalhões multados somariam 1 milhão e meio de Reais para os
cofres públicos; e 10 mil multas por abandono somariam 5 milhões de Reais,
além da possibilidade de aplicação de outras multas. Se um cidadão é multado
e não paga, a multa é inscrita na dívida ativa do Município e o devedor pode ser
executado.
Sem contar que, depois de um necessário período de anistia (dentro de uma
campanha em massa de registro e identificação), poderá ser instituída taxa
diferenciada – por exemplo, R$ 20,00 para registrar um animal castrado e um
valor cinco vezes maior para aquele não castrado (R$ 100,00), estimulando a
esterilização e contribuindo para o controle populacional, sem onerar mais os
cofres públicos.
Além do mais, o CRMV-SP (Conselho Regional de Medicina Veterinária) já se
mostrou disposto a conclamar a classe veterinária para contribuir com o registro
e identificação de toda a população animal. Assim, consultórios e clínicas
poderiam trabalhar em cooperação com o Poder Público, até mesmo prevendose
uma remuneração para os médicos veterinários conveniados, que fariam um
papel social fundamental, orientando seus clientes a microchipar e registrar os
cães e gatos, esclarecendo-os sobre a importância do registro e a legislação
vigente.

MÍDIAS, A GRANDE PARCERIA
Além de demonstrar vontade política, as autoridades precisam exercitar a
percepção dos anseios da sociedade. São Paulo não suporta mais o abandono
de animais, a crueldade, os maus-tratos. Também existe um anseio muito
grande pela efetiva punição daquelas pessoas que não usam coleira e guia e
não recolhem os dejetos de seus animais.
Assim, se for implantado um projeto de alto impacto, com a fiscalização
orientando e também punindo, certamente não faltará apoio das mídias,
ingrediente fundamental para aplacar eventual carência no número de fiscais.
Imaginemos a propaganda maciça que a Prefeitura de São Paulo poderia fazer,
por exemplo, com 20 veículos devidamente adesivados e algumas dezenas de
fiscais!
Em algumas cidades, foram encontradas outras soluções criativas, como o
emprego de agentes de controle da dengue para o trabalho de conscientização
de proprietários de animais domésticos, abordando inclusive a necessidade de
registro e microchipagem. Além disso, o interesse a respeito da identificação de
cães e gatos não se restringe aos órgãos oficiais da área da Saúde:
concessionárias de rodovias estaduais, por exemplo, vêm buscando meios de
incentivar o registro e a identificação de animais em cidades lindeiras às
estradas, como forma de reduzir acidentes de trânsito, com vítimas humanas.

A PONTA DO IMENSO ICEBERG
Todo este cenário nos permite concluir que o sofrimento absurdo dos animais
abandonados e o caos em que está mergulhado o controle animal na cidade
são apenas a ponta de um imenso iceberg. As medidas devem ser amplas e
decisivas e passam, certamente, pela responsabilização, por parte do Poder
Público e até dos órgãos do Judiciário, dos cidadãos que ainda se acham no
direito de comprar ou ganhar ou deixar procriar animais, para depois descartálos
como objetos inservíveis, o que ainda traz agravos à saúde pública e ao
meio ambiente.
Sim, é preciso educar e conscientizar a população e manter programas em
massa de castração e doação. Mas é imprescindível rever o tratamento
dispensado aos humanos irresponsáveis, imprimindo severas punições,
incluindo a aplicação de multas. O incremento de arrecadação proporcionado
aos cofres municipais poderá ser direcionado à intensificação da fiscalização,
mas também para os programas educativos e de controle reprodutivo, além do
aprimoramento da infra-estrutura do controle animal.
E nesse processo, inclui-se manejo, manutenção e destinação de animais pelo
órgão oficial de controle de zoonoses, programas de adoção, parcerias com
ONGs e outras instituições e até programas específicos para situações de
exceção, como os “colecionadores de animais” e os “carroceiros” que vagam
pelas ruas com seus animais, sem residência fixa. Existe a possibilidade,
inclusive, de se criar um fundo exclusivo para estas questões, alimentado, entre
outras fontes, com a arrecadação de multas relativas a infrações envolvendo
animais domésticos e domesticados, aos moldes do Fundo Especial do Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Cabe lembrar que a Comissão de Estudos para Avaliação da Coexistência dos
Animais Domésticos, Domesticados, Silvestres Nativos e Exóticos com a
População Humana, os Reflexos na Saúde Pública e Meio Ambiente e a
Legislação Pertinente na Cidade de São Paulo, instalada na Câmara Municipal,
a partir de requerimento do Vereador Roberto Tripoli (PV), evidenciou a
importância da sociedade civil e seus representantes (vereadores) exigirem do
Poder Público ações efetivas no controle animal, que não passem pela
eliminação sistemática de cães e gatos.
Tanto que, durante os trabalhos dessa Comissão de Estudos, a Secretaria
Municipal da Saúde já acenou com mudanças de rumo ao criar, através da
Portaria 692/09 SMS-G, publicada em 04/04/2009, o Programa de Proteção e
Bem-Estar de Cães e Gatos do Município de São Paulo. Isso, depois que a
Comissão realizou vistorias em pet shops, onde foi constatado total
descumprimento de várias leis municipais e até federais, e também uma
diligência no Centro de Controle de Zoonoses, comprovando maus-tratos de
animais lá abrigados.

ESPELHO, ESPELHO MEU
O novo Programa municipal voltado a cães e gatos está sob o comando da
médica veterinária Dra. Rita Garcia (então diretora do CCZ no Governo Marta
Suplicy, quando Eduardo Jorge ocupava a Secretaria da Saúde, num dos
períodos de maiores avanços nas questões envolvendo o trato de animais
domésticos na cidade de São Paulo).

Resta saber o que será efetivamente realizado dentro deste programa, pois os
retrocessos registrados nos dois últimos anos, pelo descaso do Poder Público
em relação aos animais, são amplamente conhecidos: desmantelamento do
programa educativo Para Viver de Bem com os Bichos; abandono total do
registro e identificação de cães e gatos (RGA); interrupção, e depois a retomada
(de forma reduzida e mal conduzida) do Programa Permanente de Controle
Reprodutivo de Cães e Gatos; caos, morte e dor nas dependências do CCZ,
superlotado e sem infra-estrutura para abrigar animais que, segundo lei
estadual, não podem mais ser sacrificados...
Nos primeiros encontros entre as entidades protetoras de animais e a
coordenadoria do Programa de Proteção e Bem-Estar de Cães e Gatos, Rita
Garcia acenou com propostas e medidas imediatas para minimizar o sofrimento
dos animais mantidos no CCZ, a serem executadas em parceria com as ONGs.
Esperamos que os próximos passos sejam concretamente direcionados
para a efetivação de uma política de governo que extrapole os muros do
CCZ e atinja a megalópole de 1.500 quilômetros quadrados e fortíssimas
discrepâncias sócio-econômicas, onde vivem 11 milhões de pessoas e um
número gigantesco de cães e gatos, nunca calculado com exatidão (as
estimativas variam de 3 a 5 milhões de animais). Afinal, essa cidade dos
contrastes e dos mega problemas também possui um mega orçamento que,
este ano, ultrapassou 27 bilhões de Reais, além da existência de um superávit
financeiro de 1,5 bilhão de Reais (arrecadação excedente em 2008, aplicada no
sistema financeiro).
E se São Paulo é espelho para o Brasil, é inadmissível que, em questões
envolvendo a vida animal, ainda prospere a sensação de vivermos todos numa
“terra de ninguém”, onde os “fora da lei” (criadores, comerciantes e proprietários
irresponsáveis) têm trânsito livre. Mesmo à custa da dor, do sofrimento, do
horror vivenciado por centenas de milhares de animais (incluindo, além dos
domésticos, os domesticados, silvestres nativos e exóticos), além de pesados
gastos para os cofres públicos e graves riscos de impactos à saúde e ao meio
ambiente.
* Regina Macedo - jornalista ambiental / assessora parlamentar
email: reginamacedo@terra.com.br / fone: 11-9627-7187

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