Recentemente, foi realizado o I Encontro Carioca de Direitos dos Animais, na Procuradoria-Geral do Município do Rio de Janeiro. Louvável iniciativa.
Normalmente, esse tipo de enfrentamento, ou a intenção do debate, é objeto de preconceito e hipocrisia. Preconceito em função da crença de que não se deveria entender o animal como sujeito de direitos, acarretando na marginalização de qualquer discussão; hipocrisia porque é mais fácil tratar a questão assim, sem aprofundar o tratamento, sem olhar de verdade.
Compreende-se, em parte, referidas posturas ante o mundo em que vivemos, no qual o mínimo não é garantido às pessoas, no qual a pobreza é uma realidade de muitos e no qual as instituições públicas, cada vez mais, perdem o crédito em função dos atos repulsivos de seus agentes políticos.
Porém, não podemos mais corroborar com essa postura e, assim como agora o mundo compreende a importância de se cuidar do meio ambiente, temos que compreender que os animais fazem parte desse ambiente, juridicamente protegido e passível de tutela. É preciso olhar globalmente e agir localmente, máxima que costumamos ouvir, aplaudir, mas pouco aplicar.
Menor é a tentativa de tratar a questão como sem importância, até nos darmos conta de que para um mundo melhor, além de cuidarmos do planeta, é preciso que formemos pessoas melhores e com a visão ampla, de um mundo harmônico entre todos os seres, principalmente aqueles que são passíveis de sofrimento em função da ação humana. É preciso o respeito a todas as formas de vida, é preciso coexistir sem exploração.
E, nesse sentido, também elogiável a iniciativa de nossa Vice-Prefeitura de Porto Alegre, ao criar a Coordenação Multidisciplinar de Políticas Públicas para Animais Domésticos. Temos competência municipal para tratar do assunto, inclusive competência concorrente para legislar, e o Direito não pode passar à margem. A Constituição do Estado do RS, em seu art. 13, V, assim dispõe:
"Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado: [...]
V - promover a proteção ambiental, preservando os mananciais e coibindo práticas que ponham em risco a função ecológica da fauna e da flora, provoquem a extinção da espécie ou submetam os animais a crueldade;"
A Declaração Universal dos Direitos do Animal foi proclamada pela Unesco no dia 15 de outubro de 1978 e, ainda que pouco dela se aplique efetivamente, se avançou.
É dever do poder público local possuir políticas que tratem também dos direitos dos animais, até mesmo para vivermos em uma sociedade justa, completa e viável em todos os seus sentidos.
Há reflexos nos seres humanos em todas as ações praticadas em animais, seja para melhoria da vida humana, seja quando podem ser portadores de doenças nocivas quando não cuidados. O desprezo a esses direitos leva à prática de crimes e à banalização da vida, enquanto espécie.
Podemos fazer a diferença, pensando, propondo e executando políticas públicas para a defesa animal.
Felizmente, verifica-se que está mudando o cenário, que as pessoas estão se dando conta de que precisam olhar o todo, que toda espécie é digna de respeito. Veja-se a criação da Coordenação referida em nosso Município, a qual se espera seja eficaz e efetiva; vide o Encontro carioca citado, o qual proferiu, em suas conclusões, um manifesto no sentido de, entre outras coisas, reconhecer a importância da discussão, a necessidade de consideração moral e jurídica na qualidade de seres, que o ordenamento jurídico já traz em si um sistema que permite reconhecer os animais como sujeitos de direitos, que o conceito de dignidade não é exclusivo para o ser humano, que o mínimo existencial deve ser uma categoria aplicável também aos animais não humanos, pois titulares de direitos fundamentais, merecendo o respeito por parte do Estado, sendo inconstitucionais práticas que violem esses princípios e direitos.
Não se propugna a radicalidade, mas o combate ao especismo sim, no conceito que traz em si de discriminar espécies somente em função de pertencerem à espécie que não humana, sendo, por isso, seus interesses de menor importância. Não é aceitável esse conceito no mundo atual.
O dia 4 de outubro, que se aproxima, convencionou-se dizer ser o Dia Mundial dos Animais. Venho propor uma reflexão a todos os aplicadores do Direito Municipal, despidos de eventuais preconceitos, mas pensando em um futuro melhor, em pessoas melhores e mais dignas que podemos ser e ensinar a nossos filhos, começando por nossa casa, começando por nossas profissões.
"A questão não é saber se são capazes de raciocinar, ou se conseguem falar, mas sim se são passíveis de sofrimento" (Jeremy Bentham).
Procuradora do Município de Porto Alegre/RS
04.09.2009
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